O Conto de Aika

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Aika caminhava por cima das copas das árvores, sem dificuldade alguma. Seus poderes mágicos a ajudavam nessa missão. A menina sempre foi apontada como diferente em sua aldeia, o que ela achava extremamente irônico, afinal era uma aldeia formada por todos os tipos de criaturas fantásticas. Por que ela era diferente? Porque ela era humana, uma bruxa humana.

Ao chegar no limite da floresta ela se sentou em um galho qualquer e ficou apenas observando os outros humanos. Ela gostava de fazer isso e de se imaginar sendo um pouco anormal que nem eles. Viver sem saber o que aconteceria no futuro, sem se preocupar em garantir a segurança de todos. O castelo de Casenin se erguia imponente no horizonte e Aika sentiu uma angústia aparecer em seu coração.

- Olá Aika! - Com uma voz estranhamente suave, Liann despertou a jovem de seus devaneios.

- Olá! - Respondeu sem se dar ao trabalho de olhar para a pequena fada que voava ao seu lado. As duas nunca foram de fato amigas e já não tentavam mais disfarçar o quanto se odiavam com atitudes bem-educadas.

- Ouvi dizer que o Príncipe Josean irá se casarem breve. - A fada continuava a bater as asas e isso irritava ainda mais a outra.

- Ele não se casará. - Sua voz saiu baixa e carregada de tristeza. Ela sabia tudo o que aconteceria. Levantou-se e quando ia virar de costas para o povoado, a fadinha irritante apareceu bem em frente ao seu nariz. Aika precisou de muita força de vontade para não dar um tapa no ar e mandá-la para longe.

- Como você pode ter tanta certeza assim? Sua vidência já falhou antes, lembra-se? - Liann soltou uma fraca risada e rapidamente saiu voando em direção à aldeia. Ela só queria colocar a dúvida na cabeça da bruxa e já tinha conseguido isso.

A jovem bruxa voltou a se sentar, a cabeça girava e sua mente só recriava as cenas que ela queria esquecer. Naquele dia ela havia concentrado suas energias em prever cada movimento de cada soldado do Rei. Ela estava responsável pela guarda de todo vilarejo, junto com sua mãe Kiara, a mais poderosa bruxa que todo o reino já havia conhecido. Kiara se apaixonou por um dos chefes da guarda e ele por ela, mesmo conhecendo todas as suas formas. Desse amor proibido pelo medo, nasceu Aika.

"Aberração! Devemos eliminá-la!", eram esses gritos que ela ainda ouvia em seus sonhos. Os gritos dos soldados e dos camponeses que a cercaram com tochas. Sua mãe estava na forma de um dragão,esse era o único poder que Aika não tinha - assumir a forma de qualquer criatura que desejasse. Ela tinha apenas 10 anos e tinha sido mantida distante dos olhos de todos, até aquela manhã quando ela desobedeceu, e confiando que não encontraria ninguém, se aproximou do castelo. Foi assim que ela conheceu o Príncipe Josean, neto do Rei e herdeiro direto do trono. Ele contou para sua mãe, que conhecia a profecia de que quando a bruxa sentasse no trono os seres fantásticos teriam liberdade.

O vento tocou os cabelos negros e cacheados da jovem, e a brisa suave lhe levou mais fundo nas lembranças. Ela não estava mais concentrada nos guardas e ela não os viu chegando ao vilarejo, ela e a mãe eram os únicos seres fantásticos que ainda não precisavam se esconder e ela tinha estragado tudo. Assim naquela noite destruíram sua casa e feriram gravemente sua mãe durante a fuga. Foi encontrada, desacordada, por Rendali, o Minotauro que protegia a pequena aldeia que, no meio da floresta, escondia toda e qualquer criatura com poderes mágicos.

Viu os primeiros raios dos dois sóis iluminarem o céu e só então despertou de suas lembranças. Olhou para baixo e percebeu que não havia ninguém passando por baixo das árvores. Cogitou a hipótese de descer naquela rua, mas não levou a ideia adiante quando o viu saindo das sombras. A luz natural tingiu de cobre seus cabelos ruivos e ela se permitiu admira-lo um pouco. Notou que ele não usava os tradicionais e exuberantes trajes, ele estava pronto para um passeio a cavalo, porém ela não avistava sua montaria.

Desceu apressada, ela já havia visto aquele futuro, não podia permitir que se tornasse real. Ela caiu em frente ao Príncipe no mesmo momento em que ele atravessou os limites da floresta.

- Você. - Ele a encarou e levantou a mão, por um instante fez menção de tocá-la. Aika não acreditava que ele ainda lembrasse quem ela era, já havia passado 10 anos desde aquele dia.

- Alteza, não deves entrar aqui. - Sua voz tinha todo o tom de súplica possível.

- Essa floresta pertence ao meu reino, por que não devo andar por minhas terras? - Cruzou os braços e ergueu a sobrancelha direita em um tom de desafio.

- Algumas pessoas foram incomodadas por seu avô, - ela inspirou fundo e tomando coragem encostou a mão no peito do príncipe e o empurrou, um passo apenas - elas foram expulsas de suas terras por não serem... - a voz falhou, baixou a cabeça e deu mais um passo em frente, forçando o príncipe para a borda.

- Então eles me odeiam. - Ela assentiu com a cabeça. Ele colocou sua mão sobre a dela e a segurou. Deu mais um passo para trás saindo da floresta, porém não conseguia soltar a mão da moça mais bela que tinha visto em toda sua vida. - E você?

- Eu? - Sua face tinha um misto de confusão e surpresa. Não sabia se o príncipe achava que ela também o odiava ou se ele queria saber se ela também não era normal.

- Acha que sou culpado pelos erros de meu avô e minha mãe?

- Você era apenas uma criança. - Ela soltou sua mão e, segurando o medalhão prateado que carregava no pescoço, virou-se de costas para que ele não visse a solitária lágrima que rolara por sua face.

- Você também. - A frase saiu com um suspiro e acertou em cheio os ouvidos de Aika, ele ainda se lembrava dela.

Ao levantar o rosto ela vê Rendali e mais dois dos guardas da aldeia. Não, ela não permitiria. Tornou a encarar o príncipe e o abraçou. No mesmo instante uma flecha atravessou os dois corações. Nada sentiram e deram o juntos o último suspiro...

Num susto a pequena Aika está de volta a borda do Castelo. Ela vê o menino brincando de longe, nunca tinha visto o príncipe herdeiro. Se ela seguisse em frente aquele seria o futuro de sua mãe e do menino. Devagar, tentando não fazer barulho no cascalho, deu alguns passos para trás e então virou-se e correu apressada em direção ao vilarejo.

O menino parou a brincadeira ao ouvir o som do cascalho revirando e quando olhou, viu apenas uma pequena menina, com os cabelos mais escuros que a noite, correndo. Por um instante teve a impressão que ela corria sem encostar os pés no chão. Pensou em contar para a sua mãe, mas ela não acreditaria mesmo então esse seria o seu segredo.

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