Quem é você?

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Por Deus, por um momento me arrependi de ter aberto a boca. Depois de minhas palavras, Jungkook simplesmente se levantou da cama e vestiu a calça. Passou os dedos entre os fios parecendo ansioso. Eu estava aflita, temerosa. Me enrolei no lençol sem ter cabeça para procurar as roupas espalhadas pelo cômodo. Fiquei sentada enquanto ele andava de um lado para o outro.
— Se continuar vai furar o chão. – digo sem humor. Ele para e me lança um olhar incrédulo. — Senta Jungkook. Deixe-me contar tudo antes que queime todos os seus neurônios tentando adivinhar. Porque você não vai.
— Só estou tentando lembrar se alguma vez você me disse ou qualquer coisa que fizesse referência... Mas não tem nada. – sentou na beira da cama — Por favor, me conte... Como assim você teve um...
— Um filho. É na longa estória.
— Tenho tempo.
Engoli seco. Seus olhos começavam a endurecer para mim.
— Só por favor, peço que me escute. Que ouça tudo primeiro.
— Poder deixar, Luma.
Luma...
Respirei fundo, finalmente conseguiria falar.
— Na minha juventude em meu país, passei por muita coisa com minha família. Nunca fui de ter muitos amigos, sempre gostei de estudar e preferia ao invés de sair para festas. Essa era minha praia. No entanto, as coisas mudaram quando me apaixonei pela primeira vez. Ele era um cara legal e me correspondeu. Começamos a namorar felizes e com esperança de um futuro juntos, como todo casal adolescente imagina. – Jungkook prestava atenção em cada palavra que eu dizia. — Eu tinha dezesseis anos, ele foi meu primeiro cara e com algum tempo de namoro descobri uma gravidez. Entrei em total desespero e tentei esconder de todos. Eu não queria o bebê e pensei em tirá-lo.
— Minha nossa...- sussurrou.
— E-e-eu era só uma menina. Ser professora sempre fora um grande sonho e ter um bebê naquele momento seria o fim pra mim. Mas decidi contar aos meus pais que não pensaram duas vezes antes de contar a família de David. Ninguém estava feliz com minha gravidez, apenas David que sempre quis ser pai. Ter acontecido cedo demais não pareceu uma questão para ele. Eu não sai da escola, fui conciliando tudo com muitas dificuldades, porém ele sempre esteve ao meu lado. Ansioso e contente. Os meses se passaram e já tinha me acostumado com a ideia de ser mãe, afinal eu não teria escolha. Quase no fim da gestação... – minha voz tremeu — Minha família sugeriu um casamento e minha emancipação. Eu apenas aceitei e tudo começou a ser preparado. Me casaria grávida assim como nas novelas, parecia tão romântico.
Sorri tristonha.
— De alguma forma sentia-me feliz, terminaria os estudos e de algum jeito seguiria meus sonhos, via uma luz brilhar no fim do túnel. No dia do casamento estavam todos lá; família, amigos e amigos de amigos. Uma cerimônia reservada no jardim da casa dos meus sogros. Mas então, uma grande surpresa. Eu passei mal e a cerimônia foi paralisada. Fui parar no hospital com fortes dores fiquei desesperada sem saber o que estava acontecendo porque tudo estava bem, muito bem até aquele momento. – as lágrimas escorriam por minhas bochechas — Meu bebê nasceu antes da hora... Faltavam dois meses para o fim da gestação e – fechei os olhos revivendo aquele trágico momento em minhas lembranças — Estava morto. – saiu num fio de voz. Permaneci de olhos fechados — David ficou louco, disse que a culpa era minha e que eu nunca quis o bebê de verdade. Era um menina, eu tenho certeza que se ela tivesse os olhos dele seria a mais linda... David me odiou, berrou comigo e disse que minha família era amaldiçoada. Desejou que eu morresse ao invés do nosso filho e eu também quis isso porque foi absurdamente doloroso.
— Luma... – sinto mãos quentes segurar meu rosto. Abri meus olhos e vi que ele chorava comigo.
— A-ainda tem mais...
— N-não precisa continuar. – vê-lo chorar me fez sentir mais dor.
— É necessário que saiba de tudo, não posso mais seguir te escondendo... Eu matei duas pessoas, Jungkook.
— Como assim?
— Alguns dias depois que sai do hospital recebi a notícia de que... Que... David, ele... Havia se enforcado dentro do próprio quarto.
— Minha nossa! – suas mãos caíram do meu rosto.
— Todos me culparam e eu aceitei a culpa!  – desabei —  Foi eu, a única culpada de tudo. E até hoje isso me assombra, mesmo depois de ter fugido deixando minha família para trás. Mudei de cidade para terminar os estudos, contudo não fora o suficiente! Quando tive a oportunidade de sair do Brasil nem pensei muito, só fugi. Mas meu passado me persegue, nos meus sonhos eu vejo David, ouço os choros do meu bebê...
Jungkook estava horrorizado. O vi se afastar de mim com os olhos avermelhados e molhados. Ele estava com medo.
— Por que nunca me disse?! – sibilou.
— Não tive coragem.
— NÃO MINTA! – seu tom me pegou de surpresa — Nunca me disse nada porque jamais confiou em mim! Achou que eu seria só mais um. Noona... Eu teria te ajudado superar por esse trauma, com meu amor! Mas eu nunca fui nada sério pra você!
— Eu disse que não servia pra você. – solucei.
— Sabe que poderia ter confiado em mim, ter me contado sobre os pesadelos! EU SEMPRE ESTIVE AQUI! – num salto colocou-se de pé. — Você mente... Só fez mentir.
— Não. Não. Não! EU SEMPRE FUI SINCERA JUNGKOOK. PEDI PARA QUE NÃO SE APAIXONASSE POR MIM. EU NÃO SOU BOA! NUNCA FUI. – Meu coração acelerado. — Me sinto culpada. Acho que nunca serei curada dessa culpa... Sinto muito se permiti que tudo fosse longe demais. Eu sou um monstro! Sinto muito... Sinto muito.
— Não sente. – diz ríspido. — Foi egoísta ao esconder de mim. Eu sempre fiz o possível para ficar o mais perto possível de você... De corpo e alma. Você me conhece tão bem porque me mostrei para você, Luma. – limpou o canto dos olhos com as costas das mãos — E você sempre viveu nas sombras das próprias mentiras.
— Eu te amo.
— Ama? E por que nunca disse quem realmente é você?! 
— Sora é a única que sabe.
— Como imaginei.
Com isso ele se põe a recolher o resto de suas vestes colocando de volta. Pega os sapatos e eu me desespero.
— Jeon...?
Nenhuma resposta.
— Aonde você vai?
Silêncio. Ele nem sequer me olha e sai do quarto. Enrolada no lençol, eu corri atrás dele que foi em direção a minha sala. Pegou a mala de mão a jogando no ombro.
— Jungkook!?
O mesmo colocou a mão na maçaneta da porta e eu peguei seu braço fazendo-o parar. Ele se virou para mim e notei decepção em seus olhos vermelhos.
— Não!
— Me solta por favor.
— Não vai embora. – chorei — Por favor!
— Noona... Eu não posso agora. Preciso ir.
— Vai me deixar para sempre?! Não faça isso, eu preciso muito de você.
— Eu não sei quem você é. – soltou do meu aperto — Quem é você?
— Não, não, não vai. Não vai! – meu desespero fez-me atropelar as palavras meio aos soluços. — Eu t-te amo.
Jeon fechou os olhos por segundos e disse:
— Se fosse verdade teria sido mais sincera comigo.
— E-eu pensei em contar, mas não tive forças. Eu juro! Não me deixa...
Ele abriu a porta.
— De certa forma você sempre me pediu para ir, Luma.
Através das lágrimas eu vi ele ir. O vi fechado a porta e meu coração despedaçado, este que havia quase se regenerado por ele, se despedaçou novamente. Me sentei no chão frio com as mãos trêmulas e no fundo eu sempre soube que ele iria embora, uma vez que a verdade fosse revelada. Fechei os olhos deixando a dor me tomar por inteiro como já uma vez.
Apertei o lençol contra o corpo chorando, lamentando algo que eu já vi acontecer em minha mente. E como já havia dito a Jeon; que em algum momento eu partiria seu coração. O que mais me doía era saber que meu menino sentia aquela dor.
— Me perdoe... – Sussurrei sozinha.

N a r r a d o r    O N

Jungkook nunca na vida tinha sentido uma dor tão forte no peito. Talvez quando teve de deixar sua família para perseguir seu sonho. Porém nunca lhe faltou o ar, nunca antes teve necessidade de abraçar alguém tão forte em busca de sanar a dor.
— Isso dói hyung... – chorava no ombro de Namjoon, o único que permitiu vê-lo de tal forma. 
Namjoon sentia-se sempre responsável por cada um de seus companheiros e quando viu Jungkook atravessar a sala tão rápido quanto uma rajada de vento, não pensou duas vezes antes de segui-lo. Namjoon não disse nada, apenas abraçou o mais novo que chorava copiosamente na beira da cama.
Jungkook queria ser sempre forte e esconder seus sentimentos mais profundos, era uma forma de mostrar força. Pelo menos em sua própria percepção. No entanto, quem o conhecia bem sabia que ele tinha um limite.  Neste momento um dos seis sempre estaria ao redor.
— Ela mentiu... – soluçou — Escondeu um segredo porque nunca confiou em mim. Hoje foi a primeira vez que ela disse “eu te amo”. Mesmo tendo percebido há mais tempo, foi tão bom ouvir... Mas quem ama não mente hyung. O amor e confiança caminham juntos.
— Você ficará bem.
— Como se dói tanto aqui dentro?!
Namjoon afastou-se pegando o rosto do garoto entre as mãos. Lhe partia o coração vê-lo sofrer.
— Dói porque é real. Porquê você a ama mais do que imaginou.
— Por que ela teve de mentir? Se não houve confiança... – engoliu seco — O que foi real?
Namjoon balançou a cabeça lentamente.
— Eu não sei, Jungkook-ah. Não sei.
Após o consolo, Jungkook pediu para ficar sozinho em seu quarto. Se encolheu na cama com a cabeça sobre o travesseiro. Ele não sentia raiva, estava muito magoado por ter depositado todas suas expectativas e confiança em Luma, e no final descobre que ele tinha percorrido um caminho todo sozinho.
Pois ela não havia se entregado. Agora toda a hesitação e a estória do “ cuide do seu coração” fazia sentido. Como ela se entregaria sem superar algo tão terrível de seu passado?
O peito de Jeon se apertou. Não gostaria de pensar na dor que Luma sentiu naquele tempo, isso o fazia querer voltar correndo para ela. Mas ele precisaria de tempo.

N a r r a d o r    O F F

— Luma?! O que houve? – Sora tenta me erguer do chão, após me encontrar quase adormecida perto da porta.
— Madrinha?! – Yoko se jogou em meus braços — O que aconteceu madrinha?
— Calma meu amor. – olhei para Sora e seus olhos fitaram os meus.
— Está tudo bem? – indagou baixinho.
Balancei a cabeça negando e disse:
— Ele sabe de tudo, Sora. Ele se foi.
Seus olhos se arregalaram.
— Eu sinto muito amiga. – tocou meu rosto enquanto eu abraçava a pequena em meu colo. — Vem, vamos sair desse chão. Isso pode te fazer mal.
— Tem como ficar pior? – indaguei.
— Deixa disso, vem.
Sora me ajudou, disse a Yoko que estava um pouco nervosa por me ver daquele jeito, que eu estava um pouco doente, mas ficaria bem. A menininha se acalmou enfim e eu voltei para cama.
— Ela está preocupada com você. – Sora diz sentando na minha cama — A coloquei para ver desenho, já é tarde.
— Sinto muito por não ter cabeça para conversar com ela.
— Tudo bem, não esquenta com isso.
— Ela voltou antes da casa da sua mãe?
— Sim, me ligou e disse que não queria mais ficar. Yoko está bem a questão agora é você. Como tudo aconteceu?
Puxei o edredom para cobrir meus ombros.
— Eu passei mal e ele chegou na hora, me ajudou e pagou meu médico. Estávamos bem, fizemos amor e depois senti no meu coração que precisava ser sincera com ele. – minha voz saia quase como de um robô, sem emoção nenhuma.
— Você contou tudo?
— Sim...
— Ah Luma. – minha amiga veio para o meu lado, me abraçando — Sinto muito. Sei como é doloroso para você. Foi muito corajosa por contar.
— Foi tão difícil...
— Eu sei. Eu sei, amiga. Como foi para ele?
Soltei o ar pelo nariz.
— Foi como imaginei. Foi demais para entender, ele é sensível e... Não soube o que fazer.
— Ele poderia ter ficado.
— Eu implorei para que ficasse, mas foi egoísta. Ele acha que não confio nele e nunca o fiz. Isso não é verdade Sora, não é!
— Calma, eu entendo. Porém, Jungkook deveria ter ficado ao do seu lado. Ele diz que te ama e quando mais precisa ele vai embora?
Fechei os olhos me afundando no abraço alheio.
— Ele me ama, por isso precisa de um tempo. Eu o compreendo, Sora. Não é fácil pra ele.
— Muito menos pra você.
— Pelo menos ele sabe.
— E acha que o enganou, Luma.
— Olha... Eu sinceramente espero que um algum dia ele entenda. – sussurrei. — Foi tudo tão rápido, você pode ficar aqui comigo? Amanhã tenho que trabalhar e vou precisar de apoio.
— Pode deixar. Estou aqui com você, pode dormir.







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