Ao clarear, Eva já estava descendo para o café da manhã. Seu corpo parecia leve como uma pena, andava calmamente pelo corredor, como se não houvesse um amanhã. Sem pressa, sem a mínima vontade de adiantar alguma coisa. Mas, sua calmaria entrou em conflito com a nuvem negra que havia em cima da cabeça de seus pais, como habitualmente. A verdade era que os Mohn's sempre estavam inquietos, com os pensamentos atolados em responsabilidade e dinheiro, era comum a tensão estar presente sempre.Eva resmungou quando sentiu que sua bolha de harmonia havia estourado, deixando-a completamente lúcida da sua realidade. Sem dizer nada, andou em direção a mesa, pegou uma pedaço de pão integral e girou os calcanhares, mas antes de conseguir se mover, Edith coçou a garganta.
– Sente-se, Eva – Pediu casualmente. Edith estava prestes a soltar a xícara de café com leite, quando Eva revirou os olhos. – Algum problema?
– Edith... – Tentou conte-lá.
– Temos que avisar a ela, as notícias correm e devemos ser os primeiros a dizer. – Respondeu a ele, ambos se encaravam agora, sérios.
– Contar o que?
Richard se virou e chamou Eva para se sentar ao lado dele, na mesa. Ela obedeceu, mesmo curiosa, um pouco preocupada.
– Eva, querida, e eu sua mãe decidimos algo importante para o seu futuro... Você não é obrigada, mas...
– Do que você está falando? – Quis saber, mas seu pai não a respondeu. Apenas encarava Edith. – Diga, Edith, o que vocês decidiram? Eu quero saber!
– Nós decidimos que você irá dar uma chance a Jonas. Não acho que seja algo impossível, Jonas é um garoto bom, bem estruturado e...
– De novo isso? Eu não me importo se ele é rico, pobre, azul, laranja. Tanto faz! Eu não o amo.
Edith fez uma careta, pouco satisfeita. Incomodada, encarou o marido e esperou que ele continuasse. Quando percebeu que ele faria, voltou sua atenção ao seu iPad.
– Sabemos, Eva. Mas, você pode apenas tentar? – Richard perguntou, paciente e calmo. – Você pode conhecê-lo melhor, depois decidir algo.
Eva o olhou, indignada, mas não o respondeu. Seu pai sempre foi alguém importante para ela, sempre a escutou, por isso o respeitava. Mas ela teria de tentar, apenas por que ele insistiu?
– Ótimo! – Edith exclamou, soltando seu óculos de grau na mesa junto ao iPad. – Já que estamos resolvidos... Briana marcou um jantar, entre nós, daqui duas semanas.
Eva apenas balançou a cabeça em sinal de entendimento e subiu escada acima, decidida a não se abalar pela conversa com seus pais. Afinal, seu pai havia dito que ela não era obrigada, iria só a essa reunião e daria um ponto final nessa história.
Eva deitou-se cama, colocou o pedaço de pão na boca e mastigou, quieta, em silêncio. Apenas olhando o quadro propositalmente torto, pendurado na parede. Era uma imagem perfeita da sua vida. Uma bagunça. Totalmente borrada, distorcida. Eva sempre olhava aquele quadro quando seus sentimentos estavam embaralhados, imaginava uma bola de neve destruindo todas as portas de uma saída, não tinha para onde correr. A solução parecia distante, quase impossível de vê-la.
De repente, o silêncio sumiu em um estalo de dedos. A voz grave de Richard soava ríspida, mas cautelosa, ao contrário de Edith que não poupava a voz para gritar. Insultos rolavam de um canto da sala para o outro, velozmente, como se não houvesse consequência alguma dolorosa. Mas, para Eva havia, ela sentia seu coração apertar a cada palavra.
– Chega! – Exclamou, descendo as escadas apressada. Recebendo a atenção dos pais, Eva percebeu que o silêncio naquele momento, era inimigo. A tensão instalada na casa inteira era nítida.
– Eva! – Edith diz, alegre, andando em direção a garota como se nada tivesse acontecido. – Seu ensaio é daqui duas horas, está pronta?
Eva respirou fundo, havia esquecido totalmente do ensaio fotográfico. Mas era óbvio que sua mãe jamais esqueceria.
– Sobre isso... Eu não sei se quero fazer – Eva avisou, baixinho, com medo da reação dos seus pais. Richard se aproximou imediatamente, e Eva sabia, ele a convenceria de não desmarcar.
– Querida, é importante. Eu sei que você está um pouco chateada, com tudo. Mas, não estregue seu futuro. – Disse calmamente.
– Eu preciso sair para pensar um pouco. A princípio, minha resposta é não. – Era a resposta final de Eva. Edith se aproximou, sua feição demostrava o quanto ela não estava de acordo com a decisão da filha. – Preciso sair um pouco. Volto para o jantar.
Eva girou os calcanhares e andou apressada em direção a porta, antes mesmo que Edith pudesse dar objeção.
Sem rumo, andou pelas ruas da enorme cidade em que vive há anos. Apenas observando o tempo nublado, meio cinzento e sem vida, já que as pessoas aparetemente detestavam sair em dias assim. Eva suspirou quando percebeu que não tinha nenhum lugar para ir, nada que vinha a sua cabeça parecia lar.
Um barulho. Gotas caindo lentamente em sua cabeça, apenas o suficiente para molhar levemente sua raiz ruiva. Eva olha em todas as direção, em busca de um abrigo, mas não há nada além de carros circulando no trânsito que se formava. Logo adiante, Eva viu, um homem com a aparência exausta, abrindo a tenda da pequena máquina de pipocas. Sem opções, decidiu se aproximar, insegura.
– Olá. – Disse ela, gentil.
O homem ergueu a cabeça, ajeitou o boné sobre o topo da cabeça e abriu um sorriso cansado, idêntico a sua aparência.
– Uma menina bonita não pode pegar uma chuva dessas. Precisa de abrigo? Use a tenda, é pequena mais o suficiente para não deixar a senhorita se molhar. – Disse sem devaneios, pegando Eva de surpresa.
Eva não resiste, acaba se abrigando ali mesmo. O homem puxa assunto ora ou outra, mas sem deixar Eva desconfortável, pelo contrário. Sabia quando e o quê falar.
Em dado momento, ele disse: – Sabe, não está sendo fácil. Tem dias que não vendo uma pipoca, outras consigo vender no máximo cinco ou seis. Graças a crianças birrentas, devo dizer. – Confessava, soltando suspiros quando sentia cansado até mesmo para prosseguir com a próxima palavra. – Mas eu preciso... Tenho filho para criar. Depois que a mãe dele faleceu, tudo pareceu ainda mais difícil.
Eva lamentou, sem saber direito o que dizer. Logo, olhou para cima e viu o tempo melhorar, abriu um sorriso, mas logo o desfaz, vendo que teria de abandonar aquela conversa agradável.
– Ei, senhor. – Ela disse, após se levantar. – Pode me vender uma pipoca? Fiquei com vontade.
O homem sorriu agradecido e fez a pipoca com muito bom grado. Em seguida, entregou a ela. Eva entregou uma nota de cem, e quando viu o homem levando a mão a pochete, tocou com delicadeza.
– Esse dinheiro não fará falta para mim. Fique com o troco, o senhor merece. Espero que suas vendas aumentem cada dia mais.
Eva sentiu seu coração se aquecer ao perceber a gratidão que o homem expressava com palavras de agradecimento e o sorriso enorme espalhado em seu rosto.
Aquele simples momento fora capaz de mudar o dia de Eva completamente.
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Resiliência ¡ Chriseva
Fiksi RemajaDesde pequenos somos propensos a criarmos sonhos dentro da realidade - Ou até mesmo fora dela -. Alguns vão se perdendo conforme nós vamos crescendo e amadurecendo, outros nos acompanham pelo resto da vida. Mas como poderíamos saber? Há infinitas po...