1 - Filme de Terror

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Eu odeio o som desse despertador. Levanto da cama mais tarde do que deveria e vou tomar café. Ainda sonolento, noto que a casa está vazia. Provavelmente minha tia saiu com a minha prima e eu tenho o apartamento todinho para mim.

Não consigo acordar direito sem música ou sem cafeína. Coloco minha playlist para tocar enquanto preparo meu café. Tento moderar o volume para não incomodar os vizinhos, mas é impossível ouvir "On The Top Of The World" do Imagine Dragons em qualquer volume que não seja o máximo. Minha felicidade dura pouco e eu quase não escuto a porta se abrindo, porque o Dan Reynalds resolveu cantar bem alto hoje.

— Ed, abaixa essa música pelo amor de Deus! — minha tia me diz ao entrar na sala. — Hoje é sábado, os vizinhos querem dormir!

Eu abaixo o som, contrariado.

— E tem jeito melhor para dormir do que com música?

— Se forem as suas músicas, qualquer outro jeito é melhor. — Ela beija minha testa enquanto coloca sua bolsa no balcão.

— Cadê a Laurinha? — pergunto.

— Foi na casa da Aninha, eu e a Cláudia levamos as duas ao parquinho hoje e depois ela convidou a Laura pra passar a tarde lá — ela responde, com um ar cansado.

— E isso é bom?

— Claro que sim! Ela vai brincar o dia inteiro e eu vou poder descansar pela primeira vez essa semana.

Minha tia se joga no sofá. Quando penso em continuar a conversa, vejo que ela já está dormindo.

Termino de arrumar a cozinha, pego uma lista de compras pendurada na geladeira, vou para a sala e dou um beijinho na testa da minha tia que definitivamente não está mais acordada. Pego meu fiel companheiro fone de ouvido em cima da mesinha de centro e saio do apartamento.

Não tenho tempo de colocar uma música antes de ouvir a gritaria que vem do apartamento de cima. Esse casal preenche o silêncio do corredor com brigas quase todos os dias, mas são o único sinal de vida nesse prédio além da minha tia, minha prima e eu.

O prédio é ridículo de tão pequeno. Tem dois andares, cada andar tem dois apartamentos, totalizando um surpreende número de quatro apartamentos. Aparentemente o arquiteto tinha algo mais importante para fazer do que desenhar um prédio maior.

Eu moro no apartamento 2, o casal-futuramente-divorciado mora no apartamento 4, em cima do meu. O 3 está vazio desde que eu me mudei, e na frente do meu apartamento, tem o apartamento 1. Não sei quantas pessoas moram ali, só sei que uma delas é um menino muito lindo que sempre vejo quando estou indo para faculdade.

Ele sempre está de camisa social branca , gravata e com um jeans perfeitamente apertado. Já virou rotina. Todos os dias ele passa pelo portão com a roupa de sempre, mochila nas costas e um livro na mão. Já tentei identificar o livro que ele está lendo, ver se temos o mesmo gosto. Já tentei também ver se ele me olha quando passa por mim. Infelizmente todas essas tentativas foram frustradas.

💡

Subo as escadas do saguão até o primeiro andar com as mãos cheias de sacolas com as compras. Ter um elevador em um prédio de dois andares é um luxo que não disponho.

Abro a porta silenciosamente caso minha tia esteja dormindo, o que não é o caso. Essa mulher não consegue ficar mais de dez minutos parada.

— Que bom que você chegou! Preciso fazer o arroz. — Escuto-a gritar da cozinha.

— Que bom que você já está fazendo o almoço, estou morrendo de fome — digo com voz de sofrimento. — Esse almoço vai ficar pro jantar ou você vai me abençoar com a notícia que vamos jantar alguma coisa gostosa?

— Você tá dizendo que a minha comida não é gostosa? — ela pergunta com cara de brava.

— Mais gostosa que pizza? — eu devolvo.

— Hm, ok, só vou dizer que sim porque eu também estou morrendo de vontade de comer uma de pepperoni. — Minha tia sorri.

Vou pro meu quarto com um sorriso no rosto porque essa pizza vai ser o auge do meu dia. Sinto meu celular vibrar no bolso e vejo que Karina está me ligando.

💡

— O que você acha? — Karina pergunta do outro lado da linha, depois me contar a mesma história de sempre.

— Ah amor, acho que você tá se precipitando demais. Você já sabia da amizade deles quando vocês começaram a namorar — respondo.

— Eu sei, é loucura sentir ciúmes né? — Ela diminui o tom voz.

— Claro que é! Como você se sentiria se ele ficasse com ciúmes de você comigo?

— É, você tem razão. Quando ele chegar vou conversar com ele sobre isso e te mando os detalhes depois — Karina conclui.

— Okay amor, te amo.

— Te amo — ela diz, finalizando a ligação

Quando eu e a Karina planejávamos nosso futuro na faculdade, nunca pensamos na possibilidade de estudar em salas que ficam, literalmente, lado a lado. Eu curso Enfermagem e ela cursa Biomedicina, e foi lá que ela esbarrou com o outro amor da vida dela além de mim. O Lucas é perfeito para ela.

Ele cursa fisioterapia e os dois tem aulas de Primeiros Socorros juntos. Eu infelizmente não tive a mesma sorte e ao invés de ter junção de matéria com a minha melhor amiga, vou passar um semestre inteiro com o pessoal de Nutrição. Nada contra eles, mas nada a favor também.

— Ed, vou buscar a Laurinha e passar na pizzaria, você quer a de sempre? — Ouço minha tia me perguntar da sala.

— A de sempre!

— Ok! Estou saindo! Beijos — ela diz e eu escuto a porta se fechar.

Novamente, o apartamento é só meu. Coloco minha playlist no aleatório e vou tomar banho. Deixo "Steal My Girl" do One Direction ser o fundo musical dos meus pensamentos.

Vou comer aquela pizza e assistir a um filme de terror qualquer no Netflix para poder falar mal dele com a Karina. Se existem pessoas com padrões altos para filme de terror, somos eu e a Karina.

De repente, a luz do banheiro se apaga e a água do chuveiro fica fria. Eu o desligo na mesma hora, odeio banho gelado. Sem saber o que fazer, fico ali parado enquanto escuto o Niall cantar sua única parte solo na música. Talvez eu também esteja ouvindo alguém bater na porta.

Uso a luz do celular para achar a toalha, me seco e saio do banheiro. Alguém com certeza está batendo na porta.

— Já vai! — grito para o desconhecido que por algum motivo está batendo na minha porta durante um apagão.

Minha vida virou um filme de terror ruim do Netflix e eu só percebi agora.

Ainda com a luz do celular acesa, coloco uma roupa qualquer e me dirijo até a porta. Esse não é o look ideal para encontrar um possível assassino na porta do meu apartamento, mas tudo bem.

Quando abro a porta, não vejo ninguém usando a máscara ou segurando uma faca ensanguentada, mas vejo meu vizinho lindo com o braço apoiado no batente da porta.

Droga, devia ter vestido uma roupa melhor.

Me Encontre no CorredorOnde histórias criam vida. Descubra agora