4 - Pertencer

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Começamos a comer a pizza e a vergonha foi embora junto com a fome. Na verdade, o Vitor é muito bom de conversa.

— Então, vim morar aqui ao invés de morar em uma casa, era o único aluguel que eu conseguia pagar e ainda bancar a faculdade, meus pais me ajudam com o resto das contas — Vitor me conta.

— E você tá gostando do curso? — pergunto, imerso no assunto.

— Demais! — Ele morde um pedaço de pizza e continua falando de boca cheia. — Sempre soube que direito era o curso certo pra mim, não me vejo em nenhum outro curso nem outra profissão.

— EU TAMBÉM! Eu sinto como se eu pertencesse. Sabe?

— Pertencer, essa é a palavra perfeita pra descrever — Vitor conclui.

Ele se levanta e vai até a bancada reabastecer nossos copos com o refrigerante-não-tão-gelado. Pego meu celular e vejo que a Karina mandou mais algumas mensagens e vejo o horário. 20:30. Uau, o tempo passou muito rápido.

Vitor volta para o sofá e continua falando.

— Enfim, talvez esse emprego como garçom na pizzaria não seja o melhor emprego do mundo, mas eu ganho o suficiente, tenho tempo de estudar durante os intervalos, ganho desconto na pizza, tudo de bom né?

— Se você está feliz, então é tudo de bom sim! — Eu respondo sem saber ao certo o que responder. Posso ouvir esse garoto falar a noite inteira.

— Desculpa, eu falei demais? — Ele cobre o rosto com as mãos. Fofo. — Me fala um pouco sobre você agora.

— Nem tem muito o que falar, mas vou tentar. — Bebo um gole de refrigerante e começo. — Bom, eu estudo enfermagem, estou no primeiro semestre. Estou amando inclusive.

Não consigo formular frases bem elaboradas porque ele me olha enquanto eu falo. Ele me olha bem nos olhos. Sinto um calafrio percorrer meu corpo, mas continuo falando.

— Eu dei muita sorte, minha melhor amiga está na faculdade comigo, ela cursa biomedicina em uma sala ao lado da minha. É meio complicado de se ver toda hora porque os horários são super diferentes, mas é bom saber que ela está ali do meu lado sabe?

— Sei sim. — Ele continua me olhando, inacreditavelmente interessado.

— Me mudei pra cá pra ajudar minha tia a tomar conta da minha prima e pra morar mais perto da faculdade. Digamos que eu trabalho como babá dela, mas meu salário é morar aqui mesmo porque minha tia me banca e minha mãe paga a faculdade. Acho que é isso. Patético?

— Nem um pouco. — Ele sorri com sinceridade.

— Eu acho minha vida um tédio as vezes sabe? — Vou mesmo abrir meu coração para ele? Vou. — Tipo, eu fico aqui em casa o dia inteiro cuidando da Laura ou estudando, vou pra faculdade e só. Nenhuma emoção a mais.

— E eu? Vou pra faculdade de manhã, volto pra casa, estudo e vou pra pizzaria, volto a tempo de dormir e acordar pra fazer tudo de novo.

— Você acha nossas vidas um tédio? — Pego um pedaço de pizza porque esse assunto me deu fome.

— Não acho que seja um tédio, é o momento, entende? Daqui um tempo vamos ter que entrar em estágio, depois vamos nos formar e trabalhar bastante e não vamos ter tempo pra descansar. A vida é assim, cheia de momentos, e eles vão acontecendo, não acho que seja um tédio.

Anotação mental : Sempre pedir conselhos de vida para o vizinho gato.

— Vou sempre tentar pensar nisso.

— Mas então, o que você faz pra se divertir quando está com tédio? — Vitor pergunta.

Estou prestes a começar uma nova conversa com Vitor e estou disposto a ficar aqui para sempre, quando as luzes acendem.

Olho para ele. Não quero que ele vá embora. E, por algum motivo, sinto que ele também não quer ir.

💡

— Aí as luzes acenderam, ele agradeceu por tudo e me abraçou, falou pra eu ficar com os dois pedaços de pizza que sobraram e foi embora. Acho que foi só isso. Nada demais.

— VOCÊS NÃO TROCARAM TELEFONE NEM REDES SOCIAIS? EDMUNDO QUAL É O SEU PROBLEMA??? — Karina grita do outro lado da linha.

— Para de gritar! Eu esqueci de falar, ele pediu meu número, eu fiquei com vergonha de pedir o dele, mas até agora não chegou nada. Enfim, e o Lucas??

— Ah, a gente conversou bastante, ele disse que não é justo eu sentir ciúmes de uma amiga que ele conhece a anos e que eu não preciso me preocupar. Eu pedi desculpas e prometi pegar mais leve com a Júlia, ele agradeceu e depois a gente saiu pra jantar.

Meu celular vibra.

— Chegou uma mensagem, provavelmente é minha tia perguntando como eu sobrevivi a noite sem energia. Vou desligar tá?

— Tá bom amor, te amo, beijos.

Assim que desligo, vejo que a notificação é de um número desconhecido.

Você ainda não me disse o que você faz pra se divertir.

É ele!! Eu respondo na mesma hora:

Ah, as vezes eu gosto de ficar preso no meu prédio com o meu vizinho.

Ele responde:

Da próxima vez, vai ficar preso com o casal do 3 e vai ter que separar briga. Talvez eles te joguem na fogueira deles.

E eu devolvo a resposta:

Prefiro o cara do 1, ele me deu pizza.

O cara do 1 vai estar de folga amanhã, por que vocês dois não saem pra continuar a conversa de hoje?

A gente pode sair sim, se não ficarmos presos no prédio de novo.

Isso não seria um problema.

Me Encontre no CorredorOnde histórias criam vida. Descubra agora