Coincidências

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Olhando pela pequena abertura da velha janela com rachaduras na madeira, observo três cachorrinhos  travessos brincado, e eu estou planejando como vou leva-los para a garagem, discretamente, sem que mamãe perceba, pois apesar de agora eu ter completado 16 anos, ainda morro de medo da minha mãe, essa mulher sabe dar uma boa broca, ainda mais quando se trata dos meus hábitos regulares de resgatar animais e abriga-los na nossa garagem.
Quando se tem irmãos esse é um momento perfeito para ter uma ajudinha deles, mas o que eu tenho não faz mais parte da minha vida, então tenho que me virar nos meus planos.
Dou mais uma checada na cozinha pra ter certeza que ela está no segundo andar da casa. A prática leva a perfeição e eu já sou expert no quesito esconder bixinhos da minha mãe, se bem que nem tanto, levando em conta todas as vezes que ela me pegou no flagra... Mas eu não tenho escolha é mais forte que eu.
Piso na ponta dos dedos, com movimentos calmos e cuidadosos, pra não tropeçar em nada, porque eu costumo ser bem desastrada quando estou nervosa. Dou uma olhada na minha retaguarda, pois minha mãe às vezes parece uma assombração, aparece quando eu menos espero sem fazer nem um ruído.
Tudo certo por enquanto, giro a chave da porta com extrema cautela e mesmo assim ainda ecoam os barulhos das chaves, mas tento me acalmar e começo a abrir a porta, seu ruído é fino e irritante, essa porta está precisando de um óleo urgentemente, parece que tudo na minha casa precisa de reparos, já estou farta disso.
Começo a colocar meu corpo pra fora de casa e quando finalmente estou por completo pro lado de fora dou um suspiro de alívio e corro em direção aos pequenos, eles rolam um em cima do outro sem preocupações, se deliciando com a sensação da grama fresca.
Eu me aproximo devagar para não assusta-los e aos poucos começo a fazer carinho neles, eles com todo amor e confiança do mundo começam a lamber meus dedos, abanando suas caudas, eu sorrio com a fofura deles.
São vira-latas pretos, tão pequenos que parecem bolinhas de pêlo. Sinto muito mãe, mas eu não vou deixa-los aqui de jeito nenhum.
Eu os pego com cuidado em meus braços e eles parecem gostar, pois ficam tão quietinhos que parecem que vão dormir.
Eu entro em casa novamente com o coração a mil, é sempre uma adrenalina resgatar animais e eu não nasci pra sentir essas coisa, mas eu contínuo me envolvendo nessas situações problemáticas, mas quando eu olho pra essas figuras que nunca fizeram nada de mau e são abandonadas, eu não me controlo.
Atravesso a casa com determinação e desço até a garagem, quando chego no meu pequeno abrigo, Judy vem ao meu encontro com toda euforia, ela lambe minhas pernas e eu sorrio pra ela, ela foi meu primeiro “resgate”, meu irmão mais velho era policial e Judy era seu cão policial, ela era estremamente fiel e sempre gostou muito dele, mas então ele teve que se mudar pros Estados unidos e não podia ficar com ela, minha mãe queria deixar ela no canil, entretanto eu bati o pé e disse que ficaria com ela, ela sempre foi uma excelente companheira e agora que meu irmão foi embora ela é minha fiel companheira.
Ela senta na minha frente como se esperace uma ordem, Judy é muito obdiente e comportada, foi muito bem treinada desde filhote, ela ainda se comporta como na época que era da Polícia.
Sy- Judy, trouxe novos amigos pra você.
Ela me encara com a cabeça de lado sem entender.
Sy- olha só Judy como eles são pequenininhos, você vai ter que cuidar deles.
Eu os coloco no chão para ela os conhecer e automaticamente eles começam a chorar, por sentir falta do calor do meu corpo, mas Judy é rápida e os acalma com seu cheiro, os lambendo carinhosamente.
Sy- sabia que podia contar com você.
Eu faço um carinho na cabeça dela e ela lambe minha mão.
Enquanto ela acalma eles, Nick os observa sem interesse.
Sy- oi Nick.
Eu me aproximo dele e o gato se espreguiça esperando por um carinho na barriga, eu rio e faço um carinho nele.
Sy- Nick, você não pode implicar com eles okay?
Ele apenas ronrona em resposta.
Eu preparo uma caminha no canto da parede, num lugar de Difícil visualização.
Pego os pequenos e os coloco na caminha, coloco água e ração bem ao lado e Judy vai se deitar com eles para aquece-los.
Sy- certo, missão cumprida.
Vou para o meu quarto e começo a pesquisar sobre a nova escola que irei frequentar.
Irei entrar no primeiro ano e até hoje, não tenho amigos e nunca namorei ninguém e nem beijei ninguém.
A conversa mais longa que já tive com um garoto que me interessou e que prestou atenção no que eu falava, faz mais de um ano e eu ainda consigo lembrar o nome dele.
Dylan... Eu sei que sou boa de memoria, mas dessa vez é diferente, eu não quero esquecer, eu não queria ir embora e eu ainda me lembro daquele olhar frio, com um tom ardente, que fez meu corpo queimar.
Eu realmente sou incapaz de tirar aqueles olhos de mel da minha cabeça.
Mas como era de se esperar, foi só um momento nas nuvens e de volta a realidade com cachorros e gatos na garagem, uma mãe brigona, um irmão que nem liga mais pra família e uma vida sem amigos. Foi só um momento, que eu senti ser realmente importate pra alguém. “ minha salvadora” ele disse e o meu coração registrou isso muito bem, apesar de saber que depois de algumas semanas ele me esqueceu, mas ainda sim, valeu a pena chegar atrasada no aeroporto antes do meu irmão se mandar pros Estados unidos.
Pois é, nova escola, novas pessoas e novas oportunidades, quem sabe eu conheça pelo menos uma pessoa que não saia correndo na direção oposta a minha.
Deixo o celular de lado e resolvo dormir um pouco, foi um dia cansativo ajudando a minha tia a vender seus famosos sanduíches no treiler, é sempre divertido ajudar a minha tia no treiler, os clientes já são fiéis e tem um bom relacionamento com ela, são muito gentis comigo e ainda ganho uma pequena parcela de pagamento, que me ajuda muito, é o que financia os cuidados e alimentações dos meus pequenos delitos, quero dizer bichinhos.
Pego no sono fácil, acordo com um leve toque no meu ombro, olho ainda sonolenta e vejo minha mãe.
Ms- desculpa filha, estava apenas te cobrindo, está frio pra você dormir sem cobertor.
Eu sorrio sem enxergar direito e me ajeito melhor na cama.
Sy- obrigada mãe.
Ela beija minha bochecha e sai do meu quanto fechando a porta e eu mergulho a cabeça no travesseiro e durmo até o outro dia.
E hoje é dia de fazer compras, que legal, só que não!
Minha mãe insiste que eu devo renovar meu guarda roupa, faz três anos que não compro nada além de calcinhas novas.
Ms- filha pode pegar meu cartão de crédito e comprar o que quiser, sem medo tá?
Eu suspiro dentro do carro velho e sujo e a encaro incrédula.
Sy- como pode dizer isso mamãe? Sabe que estamos vivendo na miséria, sabe que nossa casa está caindo aos pedassos, que esse carro já está quase no fim, que devemos até as pregas das roupas e me trás pra fazer compras! Perdeu o juízo.
Ela sorri, parecendo não ouvir o que eu falo.
Ms- filha, eu vou dar um jeito não se preocupe meu bem.
Eu coso a cabeça sentindo que estou me afogando, parece que estamos caminhando em direção a um precipício sem volta, vai ter um momento que jnão vamos mais conseguir ficar de pé.
Sy- mamãe eu não quero roupas, quero poder dormir tranquila sabendo que o teto sobre a minha cabeça vai continuar lá, eu quero poder andar nesse carro com a certeza que não vou ter que empurra-lo por quilômetros, poder tomar banho sem medo que a água seja cortada e eu fique cheia de sabão sem poder me lavar... Não ligo pra futilidades como roupas ou um carro bonito, apenas quero que as coisas funcionem devidamente, que minha vida volte aos trilhos e parece que as coisas nunca melhoram pra gente, parece que estamos sempre remendado o que não tem mais jeito.
Ela apronta o volante querendo esconder suas emoções de mim, eu sei que ela finge estar tudo bem, não quer que eu me preocupe, mas não consigo ver ela se afundar cada vez mais.
Sy- mamãe peça ajuda ao Liam, ele disse que se precisassemos de dinheiro era só pedir.
Ela fica séria e me encara, sua expressão me diz que eu não deveria tocar nesse assunto.
Ms- você acha certo ficar implorando por migalhas ao seu irmão, ele se foi, ele tem uma nova vida e nós não fazemos parte dela.
Ela esraciona de forma bruta, fazendo eu ir pra frente e pra trás com a força do freio, meu cabelo patece uma cortina no meu rosto.
Ela desliga o carro tira o cito de segurança e me encara novamente.
Ms- esse dinheiro é dele, ele me mandou mês passado e disse que era pra renovar seu garda roupa, ele mandou pra você é como o dinheiro é dele, eu vou usar da maneira que ele deseja.
Eu percebo o ressentimento em cada palavra, ela não perdoa meu irmão, por ele ter cortado a ligação com a gente.
Sy- mãe eu não quero roupas, use esse dinheiro pra pagar nossas contas.
Ms- cala a boca Stacy! Eu não vou usar esse dinheiro pra isso é pronto!
Pelo olhar de furia dela eu percebo que não devo mais discutir.
Suspiro me sentindo sem rumo, até quando vamos conseguir manter a casa?
Ando a passos lentos, seguindo minha mãe que marcha em direção as lojas.
Que bobagem! Meu cérebro grita.
Olhando os carros eu vejo uma pessoa que prende minha atenção, ele está dirigindo e parece concentrado nisso, sua expressão é fria e vazia, mas seus olhos são quentes com chamas ardentes.
Depois de um ano aqui está você.
Dylan!
Meu coração acelera e eu sou incapaz de me mover, ele está mais lindo do que me lembro e parece mais frio também, não me lembro de ter visto essa expressão antes.
Ele parece sentir que eu o estou encarando, por que olha em minha direção como se preocurace alguém e então ele me encontra e por alguns segundos ele parece não me conhecer, mas então seu rosto vai mudando e no lugar de lábios enfurecidos, surgi um belo sorriso, paralisada pela reação inesperada dele, apenas sorri de volta, infelizmente o sinal ficou verde e ele teve que ir, mas o fato dele ainda lembrar-se de mim, é animador e surpreendentemente me fez esquecer dos meus inúmeros problemas. Esse garoto sempre aparece quando estou no meu pior momento, coincidência ou não, sou grata por isso.

Evil LoveOnde histórias criam vida. Descubra agora