Tudo começou quando eu tinha sete anos de idade. Fui uma criança dos anos 90, e tinha uma vida normal e muito alegre. Brincava na rua todos os dias depois que chegava da escala. As brincadeiras eram pique pega, rouba bandeira, amarelinha, pique esconde, pula corda, queimada, beta, adoleta e, às vezes brincava em casa ou na casa das amigas de boneca, casinha ou Barbie.
Quando dormia na casa da minha vó, brincava de vestir as roupas dela [eram roupas de vovó: saia, anágua (uma saia fininha para não deixar a primeira saia transparente), e blusa], minha vó deixava eu fazer o que quisesse; fritava batata só pra mim, comia abacate com açúcar, comia pão com açúcar, chupava manga o dia inteiro, subia em árvore, fazia bolos de barro e pó de café já usados, fazia limonada, brincava de gongorrar [no balanço], pedia a minha vó 1,00 real [vooooooooooooooooooooó me dá um real?! Mostrava o 1 com o dedo indicador; minha vó era surda, tinha que gritar], e ela dava. Acredite: 1,00 real dava pra comprar muita coisa; eu comprava 10 chup chups, ou um fandangos, ou um Kinder ovo; na escola dava pra comprar uma pimentinha de 100 gramas com um refrigerante KS e dois pirulitos de três corações.
No colégio, era uma criança travessa mas quieta. No recreio, brincava de escorregar no barranco de terra vermelha e de pique pega; chegava na sala de aula toda suja e suada. Na sala de aula, comia o lanche do meu amigo todo dia, e no recreio ele comia na escola, risos. Uma vez, me escondi na casinha de boneca do pátio de brincadeiras para não voltar pra sala de aula, e fiquei brincando lá com outra coleguinha até a professora sentir nossa falta e ir nos procura, e já era quase o final da aula quando a professora se lembrou [risos]; esse parquinho, trouxe um problema, escorreguei no escorregador quebrado com o lugar de segurar solto e enferrujado, e acabei machucando do lado direito perto do quadril [até hoje tenho a cicatriz]. Outra vez, queria minhas bochechas coradas, então fui no banheiro da escola e esfreguei a toalha até machucar, foi um blush forçado e dolorido [apanhei ainda quando cheguei em casa por causa disso, risos]. Falava que estava com sono, só pra ir pra salinha de descanso, e uma vez a professora desconfiou e mandou que colocassem o colchão na frente do quadro e na frente da turma toda pra mim dormir, e é claro que fingi que estava dormindo, e nunca mais falei que estava com sono. Pedia para ir no banheiro quando estava insuportável de segurar, e um dia no banheiro encontrei uma menina que não gostava, então belisquei ela e tranquei - a no banheiro, e sai correndo.
Na minha casa, minha mãe sempre foi muito rígida, e eu não podia quebrar um copo, e tinha tarefas como: guardar brinquedos, arrumar minha cama, não andar descalço, tomar banho todo dia, escovar os dentes, limpar poeira, não jogar papel no chão, não deixar roupas e sapatos espalhados, não pegar friagem [risos], se agasalhar, não responder os mais velhos, fazer o dever de casa do colégio antes de brincar [eu fazia pela manhã e brincava a tarde, quando chegava do colégio], e ser obediente. Eu sempre cumpri tudo a risca, mas nessa época, criança não tinha voz ativa na família, ou seja, criança não podia dar palpite ou falar o que quer, com isso, me tornei uma criança travessa tímida.
A timidez me levou a ter poucos amigos, a não pedir nada emprestado por vergonha, a não negar um pedido de alguém por vergonha de dizer não e por medo de ficar sem amigos, a ficar no meu cantinho, muitas vezes brincando sozinha, a ter vergonha de pedir pra ir no banheiro do colégio e segurar o xixi ou coco até a aula acabar, a não pedir ajuda a professora na escola, a ter que aprender tudo sozinha pra não incomodar ninguém, a não levantar o dedo, a mão ou o corpo para ser notado, não levantava nem por um milhão, não queria aparecer, queria ser invisível.
Por causa da minha dedicação aos estudos [me dedicava muitas das vezes para não pedir ajuda a ninguém], algumas vezes me destacava no colégio com a melhor nota, e a professora falava em voz alta para toda a turma e pedia para bater palmas pra mim; isso era uma tortura e queria me esconder, não gostava de todas as pessoas ficarem olhando para mim. A maioria das pessoas que batiam palmas para mim, só queriam tirar vantagem de mim, colando, sendo minha dupla para não fazer nada ou queriam ter a minha inteligência, era muita falsidade e eu via e sentia, mas não falava nada. No recreio eu sempre tive um amigo homem, em todo colégio que estudei; as meninas só queriam minha companhia para tirar notas altas, os amigos meninos eram amigos de verdade e estavam comigo em todo o tempo. Teve uma vez, que teve disputa no dois ou um [é um jogo de dedos] para decidir quem seria a minha dupla, sem eu saber, depois que me contaram. Eu sempre acabava de escrever primeiro que todos na escola e ficava olhando pro nada pensando: que vontade de ir embora [risos], e várias vezes fingia que estava passando mal pra professora ligar pra minha mãe me buscar [e dava certo, ia embora feliz da vida]. Todos os professores gostavam de mim, eu era a aluna que entregava folhas de exercícios ou desenho para colorir para os colegas de sala de aula, escrevia no quadro para a professora, apagava o quadro, anotava nomes dos bagunceiros, tudo isso porque a professora me pedia.
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TOC, MAS NÃO ME TOC!
No FicciónEsse é um livro sobre a experiência de uma criança até a juventude com o TOC, ou seja, Transtorno Obsessivo Compulsivo. Onde conta o sofrimento que a pessoa passa com essa doença perturbadora.