Quando já tinha meus 12 anos de idade, comecei a estudar de manhã, e tudo foi novidade para mim, acordar cedo, ir embora cedo, ter a tarde livre, estudar com pessoas grandes [altas e mais velhas, nessa época tinha alguns com 20 anos de idade devido a repetência], garotos com voz grossa, meninas mais desenvolvidas, etc. Foi bem estranho sair da infância pra adolescência, eu me senti em outro mundo. As pessoas estavam mais seguras de si mesmas, tinham resposta para tudo, todos faziam de tudo para serem notados, saiam sozinhos, alguns até trabalhavam [risos, faziam estágio na prefeitura], namoravam, tinham vergonha da família, contavam muita vantagem; as meninas pareciam que faziam competição para ver quem ia com a calça mais apertada e com o rosto mais maquiado; os meninos já eram meio criança ainda, mesmo assim eles já estavam engrossando a voz e se cuidavam com gel no cabelo, mas parecia que não tomavam banho [risos, eles fediam]. Nessa época ninguém levava lanche mais, não tinha lancheira, se levasse algo era na mão e, não era um lanche completo com suco, fruta e biscoito ou salgadinho como na infância, era só um biscoito e olhe lá. As pessoas compravam lanche na escola, e eram considerados "riquínhos". Eu comprava às vezes, quando tinha dinheiro. Pra comprar o melhor salgado você tinha que correr para ser o primeiro da fila; muita das vezes eu preferia comprar no final da aula por causa disso.
Já adolescente, eu era considerada gordinha ainda, me lembro que pesava 72 quilos, mas comia como um boi. Tomava café da manhã com dois pães e leite com café, na escola comprava lanche no recreio ou na lanchonete no final da aula, sempre com um doce, gostava de cajusinho, em casa almoça duas vezes, de tarde comia mais dois pães, a noite jantava duas vezes e antes de dormir comia um pão ou alguma outra coisa. Comia como se o mundo fosse acabar.
Com tudo isso, as pessoas continuavam me desprezando, pela a minha aparência que não era "aceitável" e por eu ser tímida. Ficava sempre sozinha e quieta no meu canto, fazendo os exercícios e sendo considerada uma das melhores alunas da escola. Um dia, a professora me colocou pra sentar atrás de uma garota de traços europeu e, eu estava de braços cruzados sobre a mesa Olhando pra frente; aí a menina de virou pra trás e comparou a cor dela com a minha [eu sou morena com descendência indígena], foi bem racista [eu nem me importei, mas lembrando hoje, vejo que não foi uma coisa positiva], ela encostou no meu braço e, foi perturbador porque eu tinha TOC e pensei: " como vou fazer para encostar nela de novo?!". Então dei um jeito e chamei ela pra virar pra trás pra mim comparar nossas cores direito. Aí, quando ela virou, eu coloquei o meu braço encostado no dela [o mesmo que ela encostou] e comparei falando: "é verdade, sou mais escura". Depois tirei e coloquei o braço novamente e falei: "sou descendente de indígena". E pela terceira vez, tive que chamar ela de novo porque ela se virou pra frente, coloquei o braço perto do dela e falei: "as pessoas são diferentes, viva as diferenças! Ninguém é perfeito, você tem uma veruga no pescoço e as pernas cambotas, e eu nunca tinha te falado até esse momento; vamos respeitar as diferenças?!". A menina virou pra frente e dificilmente ela falava comigo. Mas foi um grande alívio porque eu consegui encostar nela três vezes.
Todos os dias eu tinha um ritual de arrumação. Arrumava meus materiais escolares bem certinhos, canetas e lápis coloridos em ordem das cores do arco-íris. Livros por ordem de utilização da semana. Mochila impecável [minha mochila não sujava e nem rasgava, porque colocava sempre sobre o meu colo]. Arrumava pelo menos três vezes meus materiais escolares; se não arrumasse nesse número, achava que poderia repetir de ano ou algo pior, por isso mesmo me fazendo sofrer eu arrumava quantas vezes fossem necessários.
Eu tinha problemas com sujeira, odiava lugares e coisas sujas. As meninas do colégio sempre sentavam em qualquer lugar como no chão, nos bancos de concreto, mas eu não conseguia; o TOC me afastava das pessoas, como eu não sentava com as pessoas no chão ou banco, eu preferia ficar em pé e sozinha. Algumas vezes ficava perto das pessoas vendo elas se interagirem e eu em pé olhando pra baixo onde elas estavam sentadas no chão se socializando. Tenho certeza que me achavam "estranha", mas nunca falavam pra mim sentar com elas também. Eu já estava cansada de comer mosca sozinha e em pé, aí decidi o upar meu tempo com livros, então ficava folheando livros no recreio e até lendo, para passar o tempo. Houve um momento que detestava o recreio, achava que era um momento ocioso que demorava muito. Eu preferia que não tivesse recreio nessa época, pois não queria me sujar e não queria ninguém tocando em mim. Tinha algumas colegas que não eram íntimas minhas, mas raramente conversamos, principalmente sobre trabalhos escolares; essas colegas tinham a mania de andar uma com a outra de braços dados; eu achava uma tortura só de olhar, e nunca quis criar intimidade, não queria andar de braços dados com ninguém.
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TOC, MAS NÃO ME TOC!
No FicciónEsse é um livro sobre a experiência de uma criança até a juventude com o TOC, ou seja, Transtorno Obsessivo Compulsivo. Onde conta o sofrimento que a pessoa passa com essa doença perturbadora.