𝟓𝐭𝐡 𝐚𝐜𝐭: 𝐦𝐢𝐥𝐥𝐞 𝐜𝐢𝐧𝐪 𝐜𝐞𝐧𝐭 𝐬𝐨𝐢𝐱𝐚𝐧𝐭𝐞-𝐭𝐫𝐞𝐢𝐳𝐞

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não quero ter o prazer de sentir culpa, porque estou me livrando de algo avassalador sem nem mesmo precisar de fato queima-lo. aqui, não existe mais você. nada de você, você, você, você, você e beijos ao pôr do sol.

até porque o sol já se pôs faz tempo.

é engraçado sentir o cansaço batendo em todos os ossos de vidro do meu corpo, fazendo uma música sonoramente nada invasiva para os nossos ouvidos. seria uma melodia usual se não pertencensse aos meus próprios ossos. sim, ossos. ossos de vidro.

socialmente, eu sinto inúmeras vontades mortais demais para alguém minúsculo como eu. sinto impulsos e digo coisas que não preciso dizer e mesmo assim eu digo. mas principalmente, só digo porque não é humano pra mim, usar do mesmo filtro por dentro sem apodrecer em segundos.

é prazeroso falar mais de mim.
eu, eu, eu, eu, eu, eu e eu.
até eu me cansar.

talvez seja até por passar tempo demais sendo sozinha, pensando sozinha e tendo que contar os meus um milhão de segundos nos próprios dedos porque eu simplesmente não tenho dinheiro pra comprar alguém que faça isso por mim.

é politicamente incorreto desejar a catástrofe de quem não merece. é politicamente incorreto desejar que quem tem muito, morra de fome logo. é, acima de tudo, doentio pensar que se eu pudesse, eu não pensaria nem duas, quem dirá uma vez em explodir tudo. e eu digo isso porque não tenho raiva da algo ou alguém. eu digo porque a beleza existe até no que é mais abundantemente catastrófico e mortal.

eu preferiria morrer e nascer de novo para sentir cada um dos pedaços de tempo escorrendo pelos meus dedos e lambuzando os meus cotovelos sem nem mesmo que cheguem na minha boca, já que mesmo não podendo ser ingerido, é satisfatório pensar que eu posso morrer se espremer lástima e mais lástimas de um passado tenebroso.

eu preferiria incendiar a minha casa sete vezes para simplesmente comprovar a minha mortalidade, para depois sentir a poeira tóxica baixar só para poder pular nela como numa poça de água da chuva. e mesmo que eu vá a inalar tudo que há de ruim e mais cabuloso que exista, talvez eu simplesmente morra mais oitocentas vezes.

e apesar de ter plena certeza de que se eu dissesse qualquer uma dessas coisas para qualquer um que me conhece da pontinha do pé até a pontinha do meu pulmão também de vidro, ela ficaria surpresa em saber que eu abomino pra caralho a vontade imensa que eu mesma fantasio de enfiar mil quinhentos e setenta e três cigarros dentro da minha boca de uma vez só, e de tragar uma única vez, para sentir o meu corpo sendo feito de fumaça fedida e cancerígena pela segunda vez. e apesar dos pesares, não é saudável pra mim, guardar a minha própria fumaça para mim mesma. mas é frustrante em proporções quase parecidas só pensar em que se eu dissesse, diriam que beijar os lábios do diabo é dez mil vezes mais gostoso e não mata tão rápido.

mas pasmem,
eu não quero morrer.

eu só não quero ter que ouvir ofegos infelizes carregados de lagrimas me chamando pelo nome completo, como se eu estivesse perdido num labirinto que eu mesmo projetei e que por mero acaso não possui saída. não quero ter que ouvir que tratamento é indicado e que a minha saúde física e a mental precisam andar de mãos dadas. se eu quisesse um santo de casa que fizesse milagre e que me tirasse disso, eu mesma falaria com a minha mãe abertamente pendindo ajuda.

mas contrariando qualquer regra e qualquer exceção da exceção, eu realmente só quero que alguém me escute e diga que sente o mesmo que eu, mesmo que eu já esteja no meu milésimo quingentésimo septuagésimo segundo cigarro.

𝖺𝗎𝗀𝗎𝗌𝗍Onde histórias criam vida. Descubra agora