Em poucos minutos, lá estávamos nós, colocando os pés sobre o cascalho solto que cobria as montanhas íngremes. Percebi que seria um lugar difícil de duelar não importasse o adversário. Olhei para baixo, para os mais de trezentos metros de declive em um ângulo quase reto que me afastava do chão plano. A visão fez minhas asas quererem ficar para fora, para que estivesse pronto para voar a qualquer indício de queda, porém contive o instinto.A nossa volta, poucas árvores. As montanhas eram um enorme aglomerado de rochas cinzentas e esbranquiçadas, com apenas alguns arbustos dispostos a romper a esterilidade do solo.
— Devem estar perto — disse, olhando para o companheiro verde.
— Sim, vão atacar a qualquer momento. — Poldron segurou forte o cabo de sua lâmina, antes de iniciar a varredura do local; passos lentos, cautela total.
Apenas o barulho das pequenas pedras sob as patas do ser eram ouvidas, a falta de fauna naquele lugar deixava tudo em um silêncio absoluto, a todo instante lembrando-me que aquele não era meu verdadeiro lar. Acompanhei meu parceiro na pesquisa de campo, o corpo sempre em posição de contra-ataque, os sentidos em um alerta constante. Já tinha duelado com seres peçonhentos o bastante para saber que a desatenção era a pior das fraquezas. Estar um passo à frente era altamente necessário, contudo os adversários pareciam dispostos a não dar pistas de suas posições.
— Talvez ainda estejam vindo — Poldron ponderou.
Observei mais uma vez a queda sob minhas patas; o corpo arrepiando ao imaginar a morte dolorosa de quem fosse jogado dali.
— Acho que não é seguro ficarmos aqui — alertei, tendo um pressentimento ruim. — Devíamos descer, esperar que eles fossem até nós lá emb… — Senti, repentinamente, algo grudar em meu casco, unindo-se a meu corpo com uma aderência descomunal. — Mas o que é isso?! — gritei.
Entretanto, era tarde demais. Indo contra os meus desejos, senti o corpo ser puxado velozmente ainda mais para cima, como se todas as leis da natureza que regiam aquele campo de batalha infinito tivessem sido alteradas e o chão não mais fosse chão. Mas era, e logo percebi que o que me puxava para cima não se tratava de obra do octógono.
Uma fita branca e pegajosa, resistente o bastante para aguentar o meu peso, maleável o bastante para que eu sentisse a sua flexibilidade durante o empuxo. Olhei pra cima, para onde se dava seu início, e então enxerguei a primeiro adversário. Ou melhor, primeira; percebi quando o sistema da Maturação me informou mentalmente o seu nome: Nereia, a representante das aranhas.
Continuava em minha subida forçada, de encontro a morte iminente, quando percebi Poldron lançar sua espada em minha direção, girando rapidamente no ar. A espada seguiu sua trajetória, passou por mim e atingiu a teia de Nereia, cortando-a no mesmo instante. Senti-me livre. Abri minha asas antes que a queda diluisse minhas vísceras, enquanto vi a espada de Poldron retornar para as suas mãos como um pássaro retorna ao seu ninho.
A batalha já havia começado e não era tempo para agradecimentos. Agradeceria ao parceiro depois, caso saíssemos vivos daquelas montanhas.
Avistei Nereia descendo as pedras com extrema facilidade; as seis patas traseiras dispostas sobre o grande quadril, enquanto as outras duas dianteiras seguravam a longa espada. Seu corpo era diferente. Possuía as características da espécie, juntamente com os traços dados pelo Criador. Contudo, tinha os traços do sexo feminino, analisei enquanto ela saltava de pedra em pedra, cada vez mais perto; era diferente de mim e de meu amigo.
— Cuidado! — ouvi Poldron gritar.
Não tive tempo de reagir. Consegui, apenas, proteger-me do ataque lateral, a medida que praguejava intimamente por meu instante de distração. Nereia não estava sozinha, obviamente, da mesma forma que eu não estava. Tinha uma parceira, que atacou-me a fim de findar a luta no primeiro golpe. Protegi-me com o aço de minha arma, colocando-a para sofrer o impacto da arma adversária em meu lugar. Faíscas emanaram do choque, junto com um tilintar potente.
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Hegemonia
Fantasi* VENCEDOR DAS OLIMPÍADAS DOS CONTOS 2020 * A vida na Terra segue seu rumo natural e é chegada a hora da evolução do planeta voltar a ser decidida: um grande torneio, onde um representante de cada espécie disputa a superioridade dos seus perante as...