De crônica

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O alarme do despertador, ruído mais odiado de todo ser humano assalariado, toca, e Márcia pula da cama no susto, enquanto xinga o desgraçado do despertador que ela mesma colocou na noite anterior. Como se fossem instantes, no mecanismo diário, ela nem sente que foi ao banheiro, escovou os dentes, tomou banho, secou o cabelo, vestiu a roupa, tomou café e saiu de casa... tudo acontece como se ainda fosse um sonho.

Mas dona Márcia que deveria ser uma mulher sem muitas expectativas, devido a grande rotina que vive, mora na cidade sinônimo de balbúrdia, e todo o dia que deveria ser um tédio, se transforma em aventura, porque ela mora em São Paulo.

No caminho pro ônibus, às 6 da manhã, ela chega ao ponto lotado. "Alô seu fulano" dizem várias pessoas ao telefone celular, "vou chegar atrasado hoje, desculpa, não tá passando ônibus faz uma hora já que tô esperando". Finalmente o ônibus chega e as pessoas lutam pra entrar dentro do veículo, mesmo que seja na pior posição possível. Márcia empurra quem vê pela frente, aqui só vence quem luta!

- Moça, dá uma licença por favor? só pra eu poder abaixar o braço, obrigada! - sussurra Márcia no ouvido da senhora à frente.

A porta do ônibus se fecha e aperta os passageiros ainda mais.

- Socorro, motorista abre a porta, meu cabelo ficou preso pra fora!! - Márcia reconhece a própria voz em agonia.

- Dona, você vai ter que esperar o ônibus parar, se eu abrir agora, vão cair dez pessoas pro lado de fora, porque tá muito cheio.

Com a cabeça grudada na porta, sem espaço para levantar o braço... nem pra coçar o nariz... "ai meu Deus meu nariz tá coçando!!!" - Márcia se agonia.

- Moça, licença de novo - Márcia sussurra com a cabeça pensa para trás, cabelo preso à porta, um braço segurando a bolsa pesada e o outro esmagado contra outro passageiro - coça meu nariz se você conseguir, por favor?

A moça constrangida pela proximidade das duas, pois dependendo da posição da cabeça, com a mais leve freada do motorista, ela corre o risco de beijar Márcia na boca.

- Dona, desculpa, mas tô com uma sacola pesada em cada mão, não consigo levantar os braços e não tem espaço pra por as sacolas no chão, mas aguenta firme, o ponto tá chegando e o motorista abre a porta pra soltar o seu cabelo preso!

No trânsito, a distância até o ponto de ônibus parece uma eternidade e outras pessoas, tão desconhecidas e tão próximas, encaixam-se umas nas outras, sem perceber exatamente onde termina o corpo de uma e começa o da outra, se compadecem da moça presa na porta.

- Ô altão, vê se estende seu braço aí pra coçar o nariz da dona ali!

- Eu não consigo, se eu soltar de onde tô segurando, caio em cima do senhorzinho do meu lado, minha posição tá difícil, desculpa dona!

Mas o ônibus chega ao ponto. A porta abre. A cabeça de Márcia está solta e ela coça o nariz... os outros passageiros, passam com gosto pela dona que finalmente se coça.

O caminho ainda não acabou, Márcia desce do ônibus 4 pontos depois e entra na estação de trem. O trem também está lotado, o que é normal, todos os dias é assim e ela está acostumada. A porta do trem se abre e a dona do nariz coçado é empurrada pela multidão que entra no trem. As portas se fecham e o ar condicionado pára de funcionar, um trem sem janelas, lotado e sem ventilação não parece uma boa ideia mas Márcia foca que pelo menos sua cabeça não está presa na porta. Uma pessoa grita "Ela tá passando mal, se afasta!" Tarde demais, a pessoa vomita no vagão cheio, e as pessoas que já estavam muito apertadas, se apertam mais ainda no desespero. É de manhã e Márcia cheia de náusea não aguenta e vomita o café da manhã também, causando mais estardalhaço no vagão.

A estação dela chega, finalmente, e ela desce na plataforma atordoada... caminha até o trabalho e entra na empresa, quando é cumprimentada pelo chefe.

- Bom dia Márcia, e essa cara de sono aí? Vamos começar o trabalho que o dia mal começou!

E assim começa mais um dia entediante na vida de Márcia, na cidade da bagunça.

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