Capítulo I: A Close Curve.

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"uma curva estreita."

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Vamos lá, minha psicóloga pediu para que eu expressasse meus sentimentos nesse caderno, contasse tudo do princípio, falar das emoções e de cada estágio da perda.

Mas não sei como começar.

Em um processo doentio parei de usufruir das palavras e hoje elas me escapam. Tudo culpa dessa maldita escolha de conspirar contra essa corrente de dor que se instala em mim desde que ele foi embora. Tudo culpa dessa falsa esperança que eu mesma projetei e fracassei ao tentar demolir desde que ele foi embora. Ferida aberta e é tudo culpa dele.

Porém, além de reacender uma chama dolorosa, falar dele me faz refletir demais, então prefiro, por enquanto, falar da minha infância.

Nasci e cresci em uma cidade de Pernambuco chamada Olinda. Nascida no dia 5 de fevereiro e aquariana de faxada, nunca bati diretamente com a frieza do meu signo. Na verdade desde pequena sempre fui muito intensa e sempre achei que o mundo também devesse ser, que isso era proporcional à personalidade de todos, não uma "opção".

Poucas foram as vezes que agi com indiferença para alguma situação, até porque minha vida sempre foi igual aquelas comédias românticas e que passam na sessão da tarde da TV Globo.

Aos 6 anos conheci meu pai, mas continuei morando com a minha grande família (eu e mais 6 pessoas em casa). Na vida sempre fomos eu, mainha, tia Carol, meu primo Rafael, vovó Flavia, ti-vó Gagai e vovô Tonho, todos na mesma casa, dividindo o pouco e aprendendo a humildade juntos. Meu pai não mudou essa minha estrutura familiar.

Quando completei 7 anos fui "prometida" à um menino chamado José, mas por ser muito novinha ignorei o casamento engraçado que nossos pais fingiam arrumar.

Com essa idade você ainda imagina um mundo colorido, em que o Papai Noel existe, seu maior ídolo é Xuxa e você pega no pé do garotinho mais bonitinho da sala só por achar que gosta dele. Eu não queria ser prometida a alguém, eu só queria uma Barbie nova!

Voltando aos meus 6 anos , em uma praça perto de casa cai e minha sobrancelha abriu, revelando o que hoje é uma cicatriz que passa levemente e charmosamente por parte dela, do lado esquerdo do meu rosto, uma das coisas que que mais chamam atenção em mim, uma das coisas que mais amo em mim mesmo sendo um tremendo defeito, uma falha no percurso.

Durante minha vida escrevi muito sobre o amor dos outros, de personagens fictícios que só existiam na minha cabeça, que não mostravam meu eu verdadeiro e nem me inspiravam a ser um alguém melhor, que só insinuavam pessoas perfeitas, com empregos dos sonhos, um relacionamento que sempre dava certo, sem erros e sem partidas.

Mas a vida é uma curva estreita, e se você não dirigir com cautela talvez o próximo acidente seja com você.
E será tarde demais.

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