Segundo ano part. 3

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Tinha pedaços de um garoto na minha turma do segundo ano. Fragmentos brilhando pelo chão da sala, mas ninguém podia ver. Só eu. E nas tardes onde todos saíam, eu punha-me a catá-los como se fossem tesouros, mas nós sabíamos: eram pedaços irreparáveis. Sem concerto e sem devolução. Já não pertenciam ao seu dono original. Não pertenciam a mais ninguém.

Coloquei a música em repetição pela décima vez. É uma terça-feira. Não que isso importe. Nenhum dia da semana parece importar mais. Coloco a música em repetição pela décima primeira vez e me pergunto quantos segredos ainda cabem em minha cota.

Ao meu lado, Castiel solta uma baforada densa de fumaça e chuta a parede já duramente castigada. Não conversamos. Não trocamos palavras desnecessárias. Ele desconta sua fúria e eu repito a música pela décima segunda vez, fingindo-me alheia ao fato de que estou prestes a beijá-lo.

Meus instintos eram fáceis de controlar antes, mas agora ele não tem mais namorada e estamos numa terça. Eu suspiro e tiro um dos fones de ouvido. A música ainda está tocando. Perdi a conta de quantas vezes. O cheiro de cigarro está começando a me irritar. Considerando que o porão não tem janelas, eu vou acabar com um câncer de pulmão quando sair daqui. Suspiro mais uma vez e me levanto do chão frio. Pego minhas coisas e caminho despreocupadamente na direção das escadas.

Antes que eu ali chegue, porém, uma mão forte se agarra ao meu pulso e eu paro. Preparo meus reles 1,60m para encarar os 1,80m que me refrearam, mas ainda não me viro.

— Aonde está indo? — ele pergunta. Sua voz está mais rouca que o normal, deve ser culpa da fumaça. Eu eu inalo seu timbre para dentro de mim.

Viro-me e o encaro. Castiel parece exausto. Seus olhos são ácidos e queimam sobre os meus, como nunca antes e os cabelos escuros parecem bagunçados, como se ele não se importasse em penteá-los.

— Está tarde — eu atalho, serenamente. — Já nem deve ter mais ninguém na escola.

— E? — Ele ergue uma sobrancelha, nada convencido.

Castiel está distante. Seu jeito de agir é tão... ruim... pra mim.

— Você devia ir pra casa também, Cass. Eu olho pra você e parece que você não dorme há três dias.

— Quem você é agora? Minha mãe? — Ele me solta e dá alguns passos para trás, alcançando sua mochila jogada sobre o sofá. — Eu não vou pra casa, não tem nada lá.

Eu jogo minha mochila de volta no chão, desistindo, pelo menos momentaneamente, de ir embora. Eu não quero ir embora realmente. Não é como se tivesse alguma coisa pra fazer em casa também.

— Então talvez você devesse arranjar um Dragão — suspiro ao dar alguns passos adiante.

Castiel me olha com um rosto franzido por sobre seu ombro.

— O quê?

— Desculpe. Eu quis dizer cachorro. — Embolo-me nas palavras, sentindo minhas bochechas esquentarem. Desde quando eu sou tão patética? Deve ser culpa da fumaça.

Castiel solta uma risada, mas sei que ele não está contente. Não vejo sentimentos em nada que ele faz. Já não há mais a espontaneidade da qual ele era composto e isso me deixa triste.

— Você é doida.

Não. Eu não sou. Mas isso é segredo.

Observo enquanto ele ainda vasculha a bolsa. De lá, ele tira uma garrafa muito bonita de whisky. Eu ergo uma sobrancelha.

— Onde conseguiu isso? — pergunto, meio que involuntariamente. As palavras estão apenas deixando minha boca antes que eu me dê conta, como tem acontecido muito recentemente.

O Garoto Da Minha Turma [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora