A notícia chegou à fazenda dos Almeida ao por do sol. Adelaide contou para marquesa que recebeu a notícia de olhos arregalados. Junto a ela estava toda a família, menos a pequena Mirtes que tirava um cochilo.
Bianca entrou em negação, Francisco começou a refletir quieto, ainda assim guardava uma feição perturbada que revelava sua tristeza. O casal Ofélia e Azarado começou a chorar instantaneamente. Ambos passaram a noite em pranto. Ofélia na sala e Azarado no quarto.
Ofélia sentia-se o verme rastejante que habita o pútrido cadáver.
Já Azarado, viu-se engolido pelo vazio. A falta de sentido para sua vida aumentara. Quando pensou que sabia o que era dor, a verdadeira aflição o chegara a si para fazer morada nas lacunas de seu ser. Era uma pressão líquida que escorria lançando braços e mãos por cada parte de si.
Ninguém dormira naquela noite de luto recente, exceto Mirtes. No dia seguinte, pela manhã, a família Almeida se dirigiu à vila para rezar pela alma da falecida senhorita Olivares. Claro que os marqueses iriam à missa, mas Azarado e Ofélia não.
Todos saíram da igreja exceto Azarado que permaneceu lá. O dia estava nublado e o interior do templo se pôs escuro. Azarado continuou suas preces, chorando ajoelhado, rezando padres nossos incompreensíveis. Padre Antoine assistia calado o pronunciar da mistura de gaguejos e soluços roucos. Via que o rapaz definhara tanto quanto era possível em todos aqueles dias, não se via mais vigor em Azarado Almeida.
A missa para encomenda da alma não acontecera até então, pois Pedro não retornara, mas era certa de ocorrer a qualquer momento. Senhora Adália já pintava os vestidos de negro para vestir o doloroso luto que carregava em seu coração.
Depois de assistir Azarado rezar por horas, até perder a voz, o padre resolveu interferir e mandar ele para casa. O sacerdote já descia do altar quando a esposa de do homem entrou na igreja e fechou as portas atrás de si.
Ofélia caminhou devagar pelo corredor, com a cabeça baixa enquanto chorava.
O padre parou de andar, pois esperava que a mocinha tirasse o marido dali, mas na verdade ela andou até ele. Ofélia beijou a mão de Antoine e falou algo que ele não esperava para aquele momento.
— Preciso confessar. — Disse com voz trêmula e embargada, mas alto o suficiente para que Azarado ouvisse.
— Vamos para o confessionário, filha. — O padre chamou, mas Ofélia segurou a mão dele.
— Não. — Decretou enquanto olhava nos olhos gentis do sacerdote. — Desejo confessar aqui. Chega de segredos.
O padre olhou atônito, fez o sinal da cruz e incentivou Ofélia a continuar. A moça se ajoelhou no chão enquanto começava a falar.
— Eu pequei. Menti e fui cúmplice do mal. — A essa altura Azarado fitava-a atônito. — Eu quis fugir do seio de meu lar, onde meu pai agressivo fazia-me sentir uma idiota inútil. Ele me batia com o chicote e posso provar, pois minhas pernas são marcadas. Minha mãe nunca nos defendeu, apenas dizia para não estragar a beleza de meu rosto. Era esse meu valor.
“Foram anos sob esse regime de dor, até que chegou à cidade um jovem influente. Belo e atraente, sim. Seria mentira se dissesse que não achava atraente, mas o título era o que mais me chamava atenção. Eu só conseguiria sair de casa se me casasse com um titulado e ele era minha chance. Papai viu nele a mina de ouro que tanto buscava e ficou alegre, pois tinha uma chance.”
“Só não contávamos que o marquês fosse se apaixonar e em pouco tempo noivar com minha amiga Sorte. Fiquei perdida, minha única chance de fuga me escapava pelos dedos, por isso quando papai me contou o plano, eu aceitei.”
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Sorte e o Marquês (Donas do Império - Livro 1) [CONCLUÍDO]
Ficción histórica[Romance] No interior do Império do Brasil, à altura do início do Século XIX, nasceram nobres crianças que ganharam nomes peculiares. Ele sempre teve muita sorte e ela incessantemente perseguida pelo azar. O que acontecerá quando o caminho de ambos...