Dia 1 - Capítulo 1

80 9 9
                                    

O dia de Brenda começou mais agitado que de costume. Acabara de abrir o caderno, preparando-se para o relatório matinal de Obsídia, quando a caneta prateada em sua mão voou para longe como um projétil. A sala de aula da turma A explodia em uma tempestade de faíscas e som de vidro se partindo.

Sequer teve tempo de raciocinar sobre o que estava acontecendo. Nos minutos seguintes tudo era um borrão de luzes de alerta, instruções de evacuação e sons de passos apressados. Lembra-se vagamente de ter virado a cabeça segundos antes de sair da sala aos empurrões e ver algo terrível, que preferia apagar da memoria.

Todos da turma A se dirigiram com um silêncio ágil ao refeitório, seguidos logo depois pelas outras turmas. As aulas estavam suspensas até que os danos fossem reparados .

O ar era parado e pesado no amplo refeitório cinza fosco da República. Exceto pelos ruídos distantes de paredes sendo consertadas, não se ouvia som algum. Todos estavam ansiosos, contando os minutos para o primeiro intervalo, quando poderiam finalmente conversar livremente.

Entediada e perdida em pensamentos, Brenda percorria as mesas do refeitório com os olhos. Elas tinham um tom cinza opaco que sempre lhe dava náuseas. Desviou disfarçadamente o olhar para os irmãos. Alguns, com expressão cansada, realmente seguiam as orientações dos pais: conversavam consigo mesmos, repassando o que haviam apreendido. Outros estavam afundados em pensamentos, decidindo algo, e as olheiras indicavam muitas noites sem dormir. Certamente eram do comitê de aniversário da República.

Continuava correndo a vista pelo mar de adolescentes calados, quando esbarrou surpresa com algo realmente interessante: um garoto da turma E, Ricardo, movia sutilmente as mãos com a cabeça abaixada. Isso é Libras! Percebeu, rindo internamente da ousadia do garoto. Procurou avidamente pelo refeitório, pois se ele gesticulava assim, deveria estar se comunicando secretamente com alguém. Quem? Não o encontrava, mesmo observando furiosamente todas as mãos. Decidiu esperá-lo parar com os sinais, quando provavelmente a outra pessoa responderia. E deu certo: segundos depois, a cinco mesas dali, achou Jae, um chino-coreano de pele Rosada e olhos vivos, movendo agilmente as mãos em resposta.

Não entendia o que diziam, sabia pouquíssimo de Libras, afinal a língua não era mais utilizada desde que a engenharia genética havia acabado com coisas como a surdez. Podia apostar que haviam aprendido por terem certeza de que Obsídia não a conhecia. Mas ainda era uma estratégia muito arriscada, cedo ou tarde ela perceberia certo padrão naqueles gestos incomuns e os garotos iriam enfrentar sérios problemas...

Brenda assustou-se, subitamente as luzes do refeitório mudavam para um tom cinza-escuro, quase metálico, cor exibida quando Obsídia irrompia para dar alguma notícia. Com certeza eles foram descobertos. Agora Obsídia vai mandá-los para o cubo, cancelar seus projetos ou... nem sei o que pensar! Supôs, preocupada com Ricardo. Não era sua amiga íntima, mas gostava dele o suficiente para se preocupar, além do mais, ele era seu irmão.

— Filhos e filhas, venho falar sobre os eventos... — Obsídia hesitou, como se mordesse os lábios. Brenda suspirou aliviada, ela não havia descoberto, Ricardo ainda estava seguro — ... os eventos desagradáveis que ocorreram há poucos minutos — a plateia de jovens ouvia sem piscar, ansiosos por saberem de tudo. — O jovem Fiong, coreano da turma J, morreu em um atentado, felizmente malsucedido, contra a estrutura da República... 

Na mesa da turma J, alguns de seus amigos (que já estavam de olhos vermelhos e tinham suas suspeitas) começaram a chorar. Obsídia continuava falando pausadamente, a morte do garoto parecia não ter grande importância para ela.

Fnorsen, um romeno da turma J, com o rosto vermelho de raiva e molhado de lágrimas, começou a praguejar contra os pais e a República, esmurrando inutilmente a mesa. Com muita dificuldade seus amigos fizeram com que se acalmasse, antes que fosse retirado pelos "cinzentos", como os irmãos chamavam os androides do prédio. Brenda olhava triste para eles, sabia que seriam punidos depois com perda de pontos de mérito pela reação tão expressiva.

HidrogênioOnde histórias criam vida. Descubra agora