Capítulo 3

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Os quatro irmãos acabavam de cruzar a entrada do auditório 2, quando Letícia se aproximou da amiga, segredando em seu ouvido:

— Você não tem algo a dizer para os garotos?

Brenda franziu a testa por um momento, olhou para Ricardo e Jae, então recordou. Eu ia avisá-los! Aproximou-se dos dois e disse hesitante:

— Eu vi vocês... conversando. — Fez uns gestos desengonçados com as mãos, tentado imitar os que os vira fazendo. — Deveriam tomar mais cuidado...

Ricardo estreitou os olhos, fitando-a, subitamente mais sério:

— ... — Franziu o cenho, temendo que a garota tivesse feito algo muito estúpido. Indicou Letícia com um meneio de cabeça. — Sua amiga sabe disso...?

Brenda exclamou brevemente. Droga! Se havia algo que ela não deveria ter feito, era ter falado sobre aquilo com alguém. Mas sua cabeça estivera tão tumultuada naquele momento, sequer raciocinara direito sobre as consequências do que estava fazendo.

— ... — Seu rosto ruborizou de vergonha e culpa. Ricardo a encarava decepcionado e magoado, uma mágoa de irmão.  

Letícia, que ouvia discretamente a conversa, levantou o canto do lábio, em um sorriso satisfeito. Quando Brenda lhe contou, imediatamente soube que Ricardo estava com sérios problemas, mas preferiu não falar nada à amiga, afinal, de que adiantaria falar alguma coisa? Obsídia escutava tudo, não havia como conversar sem que ela soubesse. Além do mais, aquele garoto sempre ficava impune, era justo que finalmente lidasse com as consequências dos próprios erros. Agora, estavam entrando em uma fileira de poltronas do lado esquerdo do auditório. Ela olhou para ele e perguntou provocativamente:

— Sobre o que vocês estavam conversando, que Obsídia não podia saber? — Os meninos não responderam, e os quatro se sentaram em meio a um silêncio constrangedor.

O auditório 2 era um enorme semicírculo cinza brilhante, sustentado de cada lado por seis colunas cinzentas com bordas douradas. Acima do tablado, destacava-se do teto um círculo majestoso com o símbolo do Projeto Platão: um triângulo equilátero reluzente com sua base para cima, sobre um losango opaco. 

Aquele era um período especialmente complicado para os irmãos: além da proximidade do aniversário da República, era período de avaliações finais, o que explicava as dezenas de jovens entrando no auditório carregados de livros, cadernos e canetas prateadas. Ao longo do ano, haviam três grandes períodos de provas: o das iniciais, o das intermediárias e o das finais. Ser reprovado em um testes nesses períodos significava eliminação imediata, ou seja, seria melhor ser punido com alguns pontos de mérito a menos, por estar lendo no horário errado ou algo do gênero, do que ser eliminado.

Letícia passou o dedo sobre a superfície de vidro do braço de sua poltrona, desenhando um triângulo com a base para cima. Imediatamente a tela se acendeu com um brilho azulado, exibindo todo o seu perfil de filha: histórico, avaliações, nível de glicose no sangue, pontos de mérito... Franziu a sobrancelha espantada, perderá cem mil pontos há alguns minutos! Droga, aposto que foi por ter falado aquilo sobre os pais! Sabia que seria punida, mas cem mil pontos de mérito, era demais!

Além de ter um projeto aprovado, existia outro jeito de se tornar governadora das nações: superando a meta de pontos de mérito (que crescia um pouco a cada mês). Por outro lado, ficar abaixo do limite de pontos (que também subia mensalmente) era igual a eliminação instantânea. No primeiro dia da República a meta era de dez mil. Naquele momento, dez anos depois, ultrapassara a classe dos bilhões. Suspirou, não tinha nem cem milhões de pontos, definitivamente não seria aprovada assim, precisava que o projeto desse certo. A tela no braço da poltrona mudou daquele tom azulado para um cinza-claro, arrancando Letícia de suas projeções.

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