Capítulo 4

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Obsídia respondeu rapidamente todos os questionamentos: no fim, nenhum filho argentino seria eliminado. Expôs detalhadamente sua teoria sobre a morte de Fiong (dois jovens discutiram vorazmente com a inteligência artificial, acabando arrastados para o cubo). Omitindo deliberadamente o fato de que havia um espião entre os irmãos. E falou desde as regras mais básicas da República até as menos conhecidas.

Finalmente, depois de três longas horas de palestra, os cantos do auditório foram banhados por azul: começava o segundo intervalo. Letícia estava exausta, não via a hora de chegar ao refeitório e cravar os dentes na comida revigorante da República. Já perguntara a Obsídia, quando ela conversava normalmente com os filhos, e a inteligência artificial dissera que a comida era sintetizada por um processo especial e ficava saborosa, causava uma sensação agradável e servia de medicamento.

Notou com suspeita que Jae e Ricardo saíram silenciosamente sem se despedir delas. Brenda tocou em seu braço, também estava claramente cansada:

— Não vou ficar com você nesses intervalos. Preciso estudar para o teste, afinal não me deram uma inteligência tão grande quanto a sua. — Disse, com um sorriso fraco.

— Pode ser verdade, mas você ficou com toda a simpatia que eu não tenho. — Retribuiu com um sorriso tênue. 

Despediram-se, misturando-se a multidão de irmãos que iam para o refeitório. Ficou se perguntando se a amiga não estaria chateada com ela, por causa de Ricardo. Brenda é muito ingênua e bondosa... não imaginaria que fiz de propósito.

Era bem estranho pensar que há dezessete anos uma dúzia de cientistas construía todas as suas características: cor do cabelo, humor, tendências. Tudo. Ela havia ganhado uma grande inteligência, mas nem um pouco de paciência ou diplomacia. Ao passo que outros irmãos eram ágeis e perspicazes, como Jae.

Caminhando através do corredor azulado Letícia olhava para as próprias mãos. Quase tudo o que era, fora decidido anos atrás. Estranho, muito estranho! No entanto, era igualmente bizarro pensar que antes as pessoas simplesmente nasciam sem planejamento. Os pais teriam um filho que nem sabiam bem como seria... e se não gostassem dele? Também ficava refletindo, perplexa, sobre essa possibilidade.

Todos são esquisitos, afinal. Concluiu, dando de ombros e entrando no refeitório.

* * *

Gabriel olha ao redor, metade da sala da turma G estuda aflita para a prova de neurociência básica que se aproxima e o restante conclui algum trabalho de ciências políticas. Apenas dois irmãos escutam o que Obsídia diz, fazendo anotações sobre o vídeo transmitido na parede.

Resmunga, enojado e revoltado. O Projeto Platão deveria ser uma alternativa, uma melhora naquilo em que os pais falharam. Mas ali ele via erros sendo repetidos: os irmãos não prestavam atenção nas aulas pois estavam exaustos ou fazendo atividades que não foram concluídas por falta de tempo, depois tentariam repor o que perderam das aulas, e finalmente, passariam nos testes finais, no entanto, teriam aprendido basicamente nada.

Ao passo que os pais só olhavam para a República quando algo dava muito errado ou quando surgia um projeto novo. E Obsídia não enxergava um palmo a frente do nariz, cega pelas regras que os fundadores lhe entregaram, com a orientação de que deveriam ser seguidas à risca. Os próprios fundadores não consideraram pontos muito importantes, como tempo, a forma de aprendizado e a autonomia de cada irmão, problemas facilmente resolvidos se a neurociência que aprendiam ali fosse aplicada neles próprios.

E o pior... os pais não queriam realmente os bons governantes que o Projeto Platão deveria criar. Como se quisessem acabar com seus privilégios! Olhou mais uma vez para a sala da turma G, provavelmente não veria aquelas paredes novamente por muito tempo. Não sentiria saudades. Agora!

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