Capítulo 5

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As aulas haviam encerrado e lá fora a noite cobria a terra. Obsídia processava os dados daquele dia conturbado. Começou a analisar o comportamento de seus filhos para verificar se deixara passar algum descumprimento de regra. Observava cuidadosamente cada expressão, gesto e hesitação. Decidira ser mais dura. Que passassem apenas aqueles que mereciam. Perguntava-se se não estaria sendo exigente ou rígida demais, mas rapidamente se convencia de que fazia o certo para os filhos. Tudo vai compensar no 24º aniversario, quando emergirão daqui os novos governantes do mundo.

Com uma súbita e estranhíssima sensação, sentiu todas as portas da República abrirem-se um pouquinho. A inteligência artificial sequer teve tempo de reagir quando seus pensamentos e análises simultâneos foram repentinamente interrompidos. Em um instante, Obsídia sentia todas as suas câmeras, microfones e sensores se desligarem.

A república, pela primeira vez desde que fora construída, mergulhou no escuro.

* * *

— Eu não entendi isso aqui, sério. — Carlos, da turma G, ergueu a cabeça, tirando o olhar do livro que repousava em suas mãos. — Alguém pode me ajudar?

O horário de dormir já havia passado há algumas horas e  todos deveriam estar nas camas com as luzes apagadas, mas o dormitório da turma C fervilhava de movimento e atividade. Os do comitê de aniversário da República digitavam freneticamente, passando a limpo o corpo de seus projetos, pedindo esporadicamente uma opinião. Metade dos irmãos se movimentava pelo amplo cômodo, pegando livros, lendo resumos e conteúdos que Obsídia lhes enviara, ajudando os irmãos que tinham mais dúvidas. Um pequeno grupo de atrasados ainda se esforçava para concluir o trabalho de ciências políticas.

— Eu posso ajudar, irmão. — Lucas, um pernambucano, aproximou-se com um olhar amigável. Já havia passado por aquilo, ler e reler um trecho de um livro e não entender. Isso é terrível! — Qual parte você não entendeu, especificamente?

Carlos abriu a boca para se explicar, mas as palavras não saíram. A República ficou na escuridão. Um murmúrio assustado correu por todos os dormitórios. Aquilo nunca acontecera!

Alguns se perguntavam se havia sido obra de Obsídia, enquanto outros se retiravam resignados para suas camas.

Amanhã será um dia cheio. Carlos suspirou, deitando-se sem que sua dúvida fosse esclarecida.

* * *

Gabriel tateava pela escuridão quando sentiu com alívio um símbolo sob seus dedos, o triângulo e o losango, tão familiares do Projeto Platão. Deslizou um pouco para a direita, sabendo que a sua frente haviam duas portas. Penetrou os dedos na pequena abertura entre as portas e empurrou-as para os lados, dando espaço suficiente para que pudesse passar logo em seguida.

Observou com satisfação a silhueta borrada do imponente galpão que se delineava a sua frente. A única saída e a única entrada da República. Caminhou em direção aos portões monumentais que se postavam adiante. Àquele galpão chegavam os enormes Uirapurus, com tudo que os irmãos precisavam: peças de reparo, material para sintetizar comida, máquinas.

Não fora difícil desligar a inteligência artificial e o prédio inteiro, exceto nos últimos segundos, quando abriu levemente todas as portas e Obsídia não reagiu por pouco.

Agora olhava com um sorriso os portões negros do galpão. Com muita dificuldade, conseguiu movê-los, deixando o seu caminho finalmente livre.

Atravessou os portões e inspirou profundamente, sentindo o ar tóxico da noite invadir e preencher seus pulmões.


* * *


(Esse foi o fim do primeiro dia, o que acharam futuros e futuras androides?)

HidrogênioOnde histórias criam vida. Descubra agora