Capítulo 2

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Do alto da torre do Tuiuiú, Tarra Telter, presidente do Brasil, lançou um olhar tenso sobre a colina que se estendia até o horizonte. Observava a paisagem de Brasília, uma das poucas cidades do mundo em que ainda se podia observar uma vista natural ao invés de um teto gigante de concreto e vidro. A capital amanhecera sob um céu sombrio, repleto de nuvens escuras.

O vidro espesso do escritório isolava acusticamente o ambiente, mas Tarra imaginava que lá fora o vento forte fustigava toda a capital. Uma gota de suor frio atravessou seu rosto, outros ventos fortes aproximavam-se: o aniversário da República, a decisão da Argentina de continuar aliada ao Brasil ou se unir ao Chile, os iminentes ataques no Norte...

Andro, seu marido, conversara há alguns dias com Obsídia, a inteligência artificial que cuidava da República, e já sabia de todos os projetos que estavam inscritos para o 17º aniversário, dali a três dias.

Tarra vira os projetos também, estava animada, todos pareciam promissores. Mas Andro e a inteligência artificial teimavam em dizer que seria mais um ano fracassado, sem nenhuma aprovação. Eles são muito duros com os filhos! Infelizmente quase todos os pais pensavam como os dois. Desviou o olhar do horizonte, hora de focar no trabalho.

— Hábil? — Chamou por sua inteligência artificial pessoal, que respondeu imediatamente.

— Quer saber como a população está, senhora? — Tarra assentiu. Hábil a conhecia muito bem. Tomou 2 segundos organizando os dados e resumiu — Em minha última análise, há 4 minutos, o humor nacional estava Ameno, exceto no Norte, onde aproximadamente 70% da população teme um ataque a qualquer momento — Tarra franziu os lábios, contrariada porém nada surpresa — a população mais jovem, de 50 a 90 anos, está focada em Corpos Transparentes e apresenta pouco interesse na vida pública no momento — a presidente riu fracamente, também era fã da série.

— Hábil, tem minha permissão para acalmar os ânimos no Norte.

— As providências estão sendo tomadas, senhora. — Em todos os aparelhos de mídia do Norte as matérias começam a direcionar-se para uma visão de segurança e estabilidade, a velocidade de compartilhamento de conteúdos sobre ataques diminui imperceptivelmente e as propagandas de Corpos Transparentes aumentam. — Continuando o relatório, observei uma tendência generalizada...

— O senhor Andro está subindo. — A IA da Torre do Tuiuiú anunciou, sobrepondo-se a voz Hábil.

Segundos depois as portas duplas se abrem, tão rápidas quanto Andro que entrava arfando estupefato.

— Hábil, contate Obsídia. Agora! — Ordenou, recuperando a respiração e ajeitando a gravata Teodor que ficara torta no pescoço. Virou-se para Tarra e disparou. — Mais um eliminado. Mais um Tarra!

A presidente segurou o marido pelos ombros, ele deveria se acalmar! Sabia que Andro falava de um garoto da república, por algum motivo nunca os chamava de filhos.

— Obsídia foi contatada e já está conectada a este escritório — Hábil disse, calando-se logo em seguida. Tinha certa antipatia contra ela, diria até que... não gostava dela, sempre falando dos filhos e da república como se fosse ela a desenvolvedora do projeto Platão.

— E não foi uma eliminação por indisciplina ou algo assim. Não! Ele se suicidou. O garoto sabia que ia morrer e se jogou contra o sistema de defesa do prédio! — Seu coração palpitava de raiva e temor. — Um suicídio, Tarra! Um suicídio... — Sentou-se em uma cadeira próxima, exausto.

— Nada foi compartilhado, ninguém de fora sabe do evento — Obsídia pronunciou-se — mas essa não é minha preocupação. Fiong era um filho fraco — Tarra permaneceu séria, escondendo a indignação com a modo dela falar dos filhos — e ele não é um problema — pausou, observando Andro, analisando o seu corpo. Não parecia preparado para receber a notícia. Mas não tinha tempo para esperar que se recuperasse do acesso de raiva. Decidiu ser rápida e incisiva. — Suponho que haja um espião na República.



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