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São Paulo, tempo atuais.

Acordo com uma dor de cabeça filha da puta, ressacado, tão zonzo que tropeço ao sair da cama, e a primeira coisa que me vem à cabeça nesta manhã (ou será nesta tarde?) é que hoje é véspera de Natal. Foda-se! Sou ateu, esses feriados religiosos não significam nada para mim.

Sigo pelo corredor em direção à cozinha, com muita sede, louco para tomar um analgésico para exterminar a dor de cabeça. Não vou tomar! Não tomo remédios para dor há anos, aprendi a conviver com as pontadas, com as ardências. A dor me tornou mais forte, resiliente, aprendi há muito que nada é capaz de me ferir mais do que eu mesmo.

A maioria dos meus ossos trazem lembranças de como superei, as marcas no meu corpo também, porém, nenhuma dessas cicatrizes é mais forte do que o vazio dentro de mim.

Encho um copo d'água até transbordar e o bebo em um só gole. A cabeça martela ainda mais por conta da bebida gelada, mas ignoro-a por completo. Não há remédio para o que sinto, não há cura para toda a raiva que carrego dentro de mim, então posso, sim, conviver com umas horas de pontadas no cérebro.

Olho para a porta fechada na área de serviço. Os cômodos dali eram a tal dependência de empregados, mas, como eu nunca tive nenhum, aproveitei-os para outros fins. Inspiro, os cheiros tão familiares chegando às minhas narinas. A raiva natural com que acordo todos os dias se aplaca; não some, apenas se recolhe, dando lugar às sensações de prazer.

Confiro as horas e xingo ao perceber que já estamos no meio da tarde. Sinceramente, não sei por que Kyra inventou essa ceia de Natal, não depois de todos esses anos. Não entendo minha irmã, sinceramente. Há muito convivo com seu gênio forte, sua determinação, mas ainda não sei quem é ela. A garota divertida da infância se tornou uma adolescente quieta e taciturna, uma jovem inteligente e ajuizada e, por fim, uma adulta completamente misteriosa. Eu a acompanhei em todas as fases de sua vida, mas ainda assim não sei quem é a verdadeira Kyra Karamanlis.

Assim que ela completou 18 anos, abandonamos a luxuosa cobertura de Nikkós e fomos morar em um cafofo velho e caindo aos pedaços. Eu estudava como um louco no meu último ano de faculdade, e, como ela passou para uma universidade pública também, tínhamos que morar próximo de uma das duas universidades. Preferi ficar próximo da dela e me fodia andando de bicicleta até a minha todos os dias.

Nessa época eu estagiava na Novak Engenharia e, com a bolsa do estágio, eu mal conseguia pagar o aluguel do quarto e sala que aluguei. Ela nunca soube, mas quem bancava nossa alimentação, transporte e outras despesas era o Kostas. Meu irmão e eu nem éramos amigos, na verdade mal nos falávamos, mas todo mês o dinheiro aparecia na minha conta, e eu sabia que vinha dele.

Formei-me e já fui efetivado na Novak. Trabalhei com o Nicholas, com quem aprendi demais e construí uma amizade forte, assim como com seu irmão Bernardo. Os tempos de bagunça, baladas, drogas e bebidas acabaram quando nos libertamos da prisão daquele apartamento e da convivência maligna de Nikkós.

Alexios - Os Karamanlis #3 (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora