O reencontro

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A folhagem purpúrea balançava preguiçosa à brisa do início da noite. O rio Olho d'Água um suave sussurro muitos metros abaixo. Übrisil era uma das árvores mais altas da Clareira do Oráculo e uma das poucas que abrigavam moradia. Não havia escada que levasse ao amplo platô em sua copa e a elfa noturna preferia assim. A solidão sempre fora sua melhor companhia.

A lua surgiu por entre as folhagens e sempre causava emoção à druidesa. Ao perceber que era a maior das duas luas de Azeroth, se inclinou suavemente e fez uma silenciosa prece à deusa Eluna. Em seu pensamento havia apenas gratidão. Uma brisa morna envolveu seu corpo fazendo um arrepio percorrer seus membros esguios. Ela sentia o poder da lua assim como sentia o poder da natureza. Era abençoada.

Enquanto a maior parte dos druidas de Azeroth via Cenarius como patrono, Thaynahra e sua ordem voltavam o olhar a Eluna, a mãe do semideus. Algo incomum e talvez por isso fossem um grupo que minguava a cada dia. De qualquer forma, o Pacto Lunar resistia. À arquidruidesa não importava que fossem poucos e sim o propósito de sua união. Agiam em consonância com o Círculo Cenariano e adotavam os mesmos princípios: a natureza precisava ser preservada a qualquer custo.

O vestido de seda lunar verde era um dos seus preferidos. Bordado com padrões de pequenas flores brancas, a deixava confortável e seria apropriado para a ocasião. Descalça, os pés mal tocando o chão, Thaynahra caminhou pwlo platô no alto da grande Übrisil, encontrando-se em um grande espelho. O artefato era um grande pedaço de vidro adornado pelos galhos da própria árvore. Toda a mobília — se é que poderia ser assim chamada — de seu refúgio era de galhos, folhas e tecidos; poucas peças de prata eram encontradas naquela moradia élfica.

A imagem do espelho continuava a mesma por incontáveis eras; o metabolismo élfico garantia isso. A pele rosada exalava a suavidade e o frescor da aurora de seus dias. Talvez com mais sabedoria no olhar. Sim, ela mesma podia notar. Não de forma soberba, mas com a resignação de uma sobrevivente. A druidesa vivera incontáveis batalhas e perdera tantos amigos que desistira de contar as baixas. A tristeza nublava seu rosto com facilidade. Muito mudara em Azeroth. A própria geografia já não era a mesma. Thaynahra lembrava dos gritos em Auberdine, tanto durante a Terceira Guerra quanto no Cataclisma; ocupara a linha de frente em ambas as ocasiões. Jamais perdera a fé, mas vacilara algumas vezes.

Decidira usar a tiara lunar, seu adereço preferido. A pequena lua prateada cingia-lhe a testa, emitindo um brilho suave por entre os cabelos. As marcas tribais verdes atravessavam-lhe verticalmente os olhos, conferindo certa selvageria ao rosto sereno. Ajeitou os cabelos azuis esverdeados que lhe desciam lisos até a metade das costas. Os dedos deslizaram preguiçosos por entre as madeixas procurando o melhor caimento. Permitiu-se mais uma olhada no espelho e então seu rosto afilado lhe devolveu um sorriso. Sentia-se em paz naquela noite de outono. A perspectiva de reencontrar grandes amigos sempre lhe enchia de alegria. Uma alegria contida, mas verdadeira.

As luas se elevavam com rapidez no céu. Estava quase na hora. Da borda do platô e com um pequeno impulso, a arquidruidesa se lançou aos céus de Kalimdor. Os segundos em que pairou no ar até começar a cair lhe davam uma magnífica sensação de liberdade. Então, com a facilidade dos anos de experiência, deixou a energia se revolver em seu corpo e sentiu sua forma mudar. A mudança era rápida e não representava mais dor depois de tantos séculos. Os braços abertos se encolhiam enquanto as pernas atrofiavam. A cabeça afilava e o vestido de tecido magicamente fiado se atava ao corpo, fazendo parte da transformação. As penas esverdeadas se projetavam por toda parte, cobrindo-a por completo. Era um pássaro. Um corvo da tempestade.

A metamorfose não levava mais que alguns segundos, embora sentisse todo o processo lentamente em seu íntimo. Transformar-se em um corvo da tempestade era a última e mais difícil etapa das metamorfoses de um druida. Depois de tantos séculos se tornara algo banal, porém ainda maravilhoso. O vento beijava suas penas azuladas conforme ela se erguia. Sabia que deveria ir para baixo, mas não poderia deixar de sentir os céus por alguns momentos.

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