Capítulo Um

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Narrativa Cecília

São Paulo sempre movimentada, nunca tinha me feito ficar tão melancólica como naquele inicio de noite, a agitação da casa já tinha passado, as meninas se arrumando pra mais um show e todas já expostas como eu também deveria estar, mas no lugar onde nunca me encontrei, onde nunca desejei, como as coisas mudaram, todos os dias a mesma coisa, suspirei, colocando o brinco vendo meu reflexo no espelho, passando a mão pela cinta liga em meu corpo, a lágrima que tanto segurei escorreu, mas não por minha vontade, Cecília nunca chora, respirei fundo engolindo toda essa melancolia.

- Parou de besteira, idiota.- Solucei permitindo aquele ataque, jogando a almofada no sofá.- Hoje é um dia normal, como qualquer outro, não se prenda a isso.- Repeti baixinho.- Hora de ir.- Respirei.- Hora do show não esqueça que agora você é Luiza.- Respirei fundo mais uma vez sentindo minhas pernas me guiarem até o palco.

~ Algumas quadras depois ~

- Gustavo não vamos mais discutir sobre isso.

- Não sei porque você insiste. Já disse, ela vai pra um internato e pronto, vai ser mais fácil para todos, principalmente para nós dois.

- Sua filha. Ela é sua filha.- Priscila alertou.- Não esqueça disso.

- Mais sua que minha.- Suspirei virando a dose de whisky. - Ela nem fala comigo.

- Não vem bancar o bom pai arrependido que sabemos que você não é primo, sabemos bem o motivo dela ser assim.

- Não sou mesmo e sabemos que não me arrependo.- Levantei circulando a mesa olhando pela janela, a escuridão tomando conta do céu.

- Ela tem 6 anos já Gustavo, tá piorando a cada dia.

- Faço tudo que posso, psicólogo, bons professores, fonoaudiólogos, mas ninguém da jeito, o mundo que ela vive, só isso importa, ninguém consegue entender o que se passa.

- Sabemos que ela não deveria ter isso tudo, apenas uma coisa.

- Não venha com essa conversa.- Esmurrei a mesa.- Já cansei disso.

- Ela sente sua falta Gustavo, você não a olha, não a abraça, parece que coloca a culpa inteira nessa menina, sabemos que ela não tem culpa, é tão vítima quanto você, sente ainda mais falta da mãe, pois a mesma era seu refúgio, ela só tinha dois anos quando tudo aconteceu.

- Não quero mais falar disso.- Suspirei.

- Você foge da Dulce como o diabo corre da Cruz, a menina tem que ter o carinho do pai, por mais que eu a ame não é a mim que ela quer, não sou o que ela precisa.

- Não é a mim que ela vai ter.

- A falta que a...

- Cala a boca porra.- Joguei o copo na parede.- Não ouse dizer o nome dela.- Suspirei eu não poderia me deixar levar por isso. - A Cecília ficou num passado distante onde eu não quero lembrar que existiu, espero que tenha morrido junto com aquele pai medíocre e miserável dois ladrões queriam se aproveitar apenas do meu dinheiro e do conforto que eu proporcionava.

- A Dulce Maria não merece o que você faz com ela.

- A cópia fiel daquela ingrata miserável, saiu igual até no jeito doce que aquela puta fingia ter, interessada no meu dinheiro, espero que queime no inferno e só saia de lá quando pagar cada centavo, cada lágrima que eu derramei por ela, tenho ódio de pensar como fui idiota, como eu amei, cretina.- Gritei esmurrando novamente a parede.

- Não sabemos o que levou a Cecília a fugir assim Gustavo, não podemos julgar.

- Não justifica, eu a amava, ela tinha uma filha pra cuidar, ela foi embora por que quis.

- Sei disso primo, mas você tem que entender que a menina não tem nada a ver, os anos estão passando.

- Eu não a quero Priscila, leve ela com você pros Estados Unidos, ela vai ser bem mais feliz, se quiser eu assino agora te dou a pensão necessária, mas a leve daqui.

- Você não entende, não é sobre dinheiro Gustavo.- Falei passando a mão pelos cabelos.

- E nem quero.- Falei saindo da sala, não queria ouvir mais história, cruzei a porta parando ao ouvir a doce melodia que saia do piano, a pequena silhueta loira que tocava era minha filha, doce e especial como eu lembro ou lembrava não sei ao certo, ela nunca mais será a mesma menina que eu amei, continuei observando por um tempo, até me perder em pensamentos sendo capturado por olhos azuis sem brilho ou alegria a me encarar, engoli o nó e sai ignorando sua presença como eu sempre fiz, fugir dela como se a mesma estivesse morrido.

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