X - "anywhere in the world"

233 20 18
                                    

anastasia não manda notícias há alguns meses. deitada no tapete felpudo da sala, cheirando a fumo e cigarro velho, penso onde estará minha companheira de tantos anos.
na China? estivera lá em agosto. escreveu que eram pessoas muitíssimo engraçadas, os chineses; um tanto encolhidos e amarelos como o sol no começo de tarde. será que era Inglaterra era seu destino? todavia, a fineza não agradava anastasia. se queria fugir, presumo que foi para a nova Zelândia. não me parecia provável, mas era válido. e... talvez estivesse em Porto Rico, pensei. anastasia gostava de Porto Rico, muitos cafés, muita gente entrando e saindo, fervilhando, te empolga, sabe? preenche um pouco desse meu vazio, ela me disse. conheceu gente fina lá, mas nenhuma se comparava a mim.
duvido um pouco de suas palavras, digo, esticando os pés e bocejando. o chapéu me incomoda e o jogo para o lado. cai no gato. ela deve ter encontrado gente muito melhor, porque olhe só para mim: caída, desfiada - uma dama da alta sociedade que só sabe encher seus dias com quinquilharias e inutilidades esperando a volta de anastasia. o gato mia. eu sabia que ela ia partir em qualquer hora, não foi feita para ficar presa. não era mulher de gaiolas, queria o mundo todo e eu não soube lhe soltar. quantas vezes me pediu para lhe acompanhar naquelas suas excursões malucas? por que não comprar uma kombi azul? o Alasca, você imagine como é o Alasca, ela me dizia. mas eu não entendia, ou não podia entender. me requisitava nas horas mais improváveis e eu, tola, querendo casa e familiaridade nunca aceitava. aquela vez, logo depois de acordar, mal tinha preparado o café. ela olhava longe, mesmo que a vista da sacada fosse o bar da frente. e prédios. e eu não via graça, não estava bom aqui? temos tudo, temos toda a juventude e tempo do mundo. outra vez, de madrugada - me acordou às três. ouvi somente sua voz calma, ela não era calma, mas nunca esteve tão calma quanto naquele dia. "onde você estaria se pudesse ir pra qualquer lugar agora?", ela disse baixinho, depois de mil desculpas por me acordar. "ao seu lado", eu disse. a cama vazia era um buraco que eu caía e só me reerguia quando ela chegava. eu a via em todo o canto, em todo o tempo. "e você?", esperei algo bonito. esperei o que eu mesma queria dizer, mas ela somente disse "Paris".
anastasia deve estar em Paris. o gato mia mais uma vez. me levanto.

                                             onomatopwia.

coletânea - desafio de escrita.Onde histórias criam vida. Descubra agora