01 💛 As vozes

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Faz quase um ano que consigo ouvir vozes e elas dizem exatamente tudo o que passa por minha mente cansada e isso me deixa destruída. Elas falam sempre que sou um fracasso e que nessa vida já não tenho valor ou importância nenhuma e acredito fielmente, pois, nas raríssimas vezes que me encaro no pequeno espelho na porta do armário do banheiro sinto pena de mim mesmo.

Quando analiso meu estado as vozes trazem à tona o que penso sobre mim. Olheiras profundas, lábios ressecados e feridos de tanto morder querendo me livrar justamente das vozes, rosto todo marcado porque quando fico ansiosa e penso demais começo a mexer nas espinhas e cravos e isso tem acabado com meu rosto. O meu cabelo não fica bom de forma alguma e nem sinto vontade de arrumá-lo mais. Não me alimento direito e pela fraqueza, sou trêmula.

Dentro de casa minha mãe não fala comigo e meu irmão vive na casa dos amigos ou em festas. Passo os dias trancada no meu quarto que é o único lugar onde me sinto segura do mundo. Tudo ali é frio e escuro e isso me deixa livre para dormir quase o dia inteiro. O meu corpo e a minha mente só pede descanso todo o tempo.

Depois que os meus pais se separaram, todos nós se perdemos em nosso próprio mundo.

O meu corpo se encontra muito pesado e oco. Eu sinto muito sono por conta de não me sentir forte o suficiente e também por não ter vontade de nada, absolutamente nada. Meus pais e o meu irmão nem sonham com isso, eles acham que ainda sou aquela velha Susana sorridente. Eles nem me olham, nem se importam e muito menos amam. O meu pai só liga para o meu irmão, ele quase nunca me liga e a minha mãe nem passa mais pelo meu quarto.

As minhas noites são as mais solitárias porque é quando fico sozinha em casa e as vozes gritam para que acabe com minha vida e eu mordo meu lábio inferior e ouço músicas altas, mas, isso faz elas gritarem mais alto ainda. Ando de um lado para o outro e elas começam a me lembrar do quanto era feliz e de quando meus pais estavam casados ainda. De quando era mais nova e sorria. E começam a me apontar tudo o que sou hoje e começam a me culpar e me dizer que sou um completo fracasso e que se eu morrer não irei fazer falta nenhuma.

Mas, apesar disso ser horripilante, a parte mais aterrorizante da minha vida é a volta do colégio.

Para ir e vir preciso passar por uma linha de trem e por várias vezes ouço as vozes dizendo para que espere o trem e me mate. Será rápido e eficaz, não terei tempo nem de pensar na dor. Já cheguei a passar correndo pela linha do trem por medo de ficar presa ou das vozes começarem a falar tudo isso e mais um pouco.

Confesso que quando fico sozinha à noite penso na possibilidade de dar logo um fim à minha vida e a linha do trem é a melhor possibilidade.

Eu tentei me mutilar, mas, não conseguir. Levei à gillete ao pulso, contudo, fiquei congelada. Não conseguir e assim a joguei no lixo. Já tentei tomar medicamento para dormir em excesso, mas, na hora que iria levar os compridos aos lábios Eduardo meu irmão ou minha mãe chegava me questionado sobre algo o que me fazia jogar os comprimidos no vaso sanitário e dar descarga.

São raras as vezes que minha mãe aparece e conversa comigo. Ela apenas avisa sobre sua saída sem horário para voltar. Meu irmão as vezes me manda mensagem perguntando onde está sua camisa ou tênis. Meu pai raramente me liga, mas, confesso que as poucas vezes me animam. Ele diz que está com saudade, porém, que ainda é dificil para ele e mamãe se encontrar sem brigar. Ele fala que me ama e que sou a linda garotinha dele e acabo sorrindo e chorando ao mesmo tempo. Ele está conhecendo alguém e me disse que ela parece ser uma boa pessoa e que está aberto para o novo, porém, com cautela. Ele me pede desculpas várias vezes por tudo o que nos aconteceu e eu sinto falta dos abraços dele e do carinho. Sinto muita falta dele. Todos os dias ele passava no meu quarto antes de dormir e me enchia de beijos e abraços, dizia que me amava e assim se despedia. Pela manhã antes de ir para o trabalho, me desejava bom dia e me trazia cereal de chocolate com leite na cama. Beijava minha testa e saía prometendo voltar à noite.

Não É O Fim (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora