27 de Julho de 2018 - Dalva

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   Dia seguinte, rosto seco, garganta entalada. A imagem do seu rosto gravada na minha mente. Todas as palavras parecem cruas e sem vida, tão diferentes de como você era.
A vontade de te abraçar, o medo de te tocar e senti-la fria, tão contrária a todas as lembranças que guardo de você.
Lembranças... parecem tão poucas e pequenas se comparadas a grande mulher que você foi.
Era frágil e miúda em seus últimos tempos, mas ainda é na minha memória a moça de sorriso fácil, cabelos macios e corpo cheio por quem um dia me encantei.
Durante anos me senti roubada de você, roubada do direito de ter a madrinha que você era. Hoje aceito melhor os planos de Deus, e agradeço por ter convivido o quanto pude, da forma que pude com você.
Escrevo, quase 24 horas depois da sua partida, e começo a sentir lágrimas escorrerem pelo meu rosto. Pensei que elas já tinham secado mas noto agora que sempre terei saudades suas pra chorar.
Escolho compartilhar em escrita o que ainda não tive forças pra dizer a ninguém: as ultimas palavras que me disse.
"Eu também te amo."
Você respondeu em voz alta e clara a minha declaração.
Se soubesse que seria a ultima vez que ouviria sua voz, talvez tivesse guardado a data, um dos dias mais queridos da minha vida.
Tia, eu te perdoo por todas as vezes que você me tapeou, por todas as cosquinhas que eu odiava, com os esporros eu até finjo que concordo!
Madrinha, te agradeço por todos os mimos, carinhos, colos afagos.
Faço uma pausa na escrita, tenho sido interrompida pelo telefone, pela campainha, pelas visitas. É que você é muito querida, e todos querem demonstrar o quanto te amam.
Com você a preocupação acabou, você ontem se levantou e foi seguir seu caminho de flores e luz.
Fica um aperto no peito quando pensamos que não te veremos mais, fica também um conforto quando lembramos que vamos te sentir por perto quando orarmos por você, quando pensarmos em você e quando rirmos lembrando de todo o besteirol que você gostava tanto.
Tia Dalva, eu to chorando mas eu não quero parar de escrever. Quando eu parar vai parecer que acabou de vez. Eu sou egoísta e não queria que acabasse tão cedo.
A parte racional de mim garante que você tem que seguir, que você precisa encontrar o vovô e matar a saudade dele. A outra parte de mim grita "volta tia, volta e me dá só um abraço. Volta e me perdoa por não ter feito mais"
Mas você só vai voltar nos meus sonhos né. Tudo bem. Sonho é um pedaço de céu. Você era meio anja.
Vai com Deus tia Dalva. Te amo.

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