quando se pega a coisa

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você tem agido terrivelmente ultimamente
fumando muitos cigarros
ultimamente
mas por dentro você é só um bebêzinho
tudo bem dizer que você
tem um ponto fraco
você não precisa
estar sempre por cima
melhor ser odiado
do que amado pelo o que você não é

você é vulnerável
não é um robô
e você é amado
e seria muito amado
mas só é problemático

Sharon vaga pelos corredores esbranquiçados do hospital como uma assombração. É dia 12 de setembro de 1972. Um dia quente, ensolarado, uma bela tarde de verão. Mas ela nunca se sentira tão fria. Em sua mente, ela é como uma porcelana fina, muito fina. Finíssima. Gelada como o porcelanato cristalino e frágil como se fosse desbancar a qualquer momento e se partir em centenas, milhares, talvez até milhões de pedaços pontiagudos, daqueles que, quando menos se espera, aparecem de surpresa em seu carpete e perfuram ironicamente o seu pé quando nu.

As palavras do doutor ainda soam frescas na mente dela. Sharon o chama apenas assim, "doutor". Não se dera ao trabalho nem mesmo de perguntar o nome do homem. Estava tão aflita, tão angustiada e ansiosa, que apenas desejava arduamente que o velho lhe dissesse que ela estava bem. Volte para a sua casa em paz. Você está bem. Mas Sharon não está bem. Na verdade, está longe disso. E tem plena consciência de sua situação, embora não se debata quanto ao resultado dos exames ou sequer pense que tudo foi bom enquanto durou - até porque não foi. Ela não se deprime acerca de si mesma. Afinal, adiantaria algo? Acho que não, acho que não. Sharon apenas consente e se cala. Se cala para o mundo, mas grita silenciosamente dentro de si.

Um. Dois. Três. Ela gostaria de contar até 20,30,1000 talvez. Mas sabe que terá de bater realmente na porta em algum momento. Então o faz. Trêmulamente, mas o faz. Está equilibrando um copo de café em uma das mãos. Amargo não. Ponha bastante açúcar. Nata também. Exagere na nata. E um pedaço de queijo branco, por favor. É bom ver o queijo derreter junto ao café, a consistência esbranquiçada e salgada se misturando ao oceano castanho cafeinado.

Desastrada? Oh, ela é. E sabe disso. Assim como parece ter uma consciência forte e convicta acerca do mundo, ela também têm pleno conhecimento de seu jeito desajeitado. Mas não tem medo de derramar café em seu novo suéter de caxemira, por exemplo, ou de manchar os sapatos de verniz. Ela não tem medo de mais nada. Adiantaria, logo agora, ter medo?

Após o terceiro ricochetear das mãos de Sharon contra a porta de carvalho, ah!, a velha porta de carvalho!, Leonard, ou Leo - como preferir chamá-lo -, aparece diante dela, as mãos firmes agarradas à maçaneta, os olhos arregalados como se a presença da mulher o incomodasse.

- Sharon? Deus, é você mesma! - Exclama por fim. Ele não admite a ninguém, mas ainda a ama. Por mais que vá a jantares à luz de velas com Marta e saia frequentemente para os mais variados pubs de Dublin com os amigos, ele ainda ama Sharon. E mal sabe o que fazer ao observar o nariz fino e levemente adunco, as maçãs do rosto altas e acentuadas, os olhos grandes e amarronzados, o cabelo loiro como o próprio sol preso à uma faixa colorida demais para a figura da musa agora mais magra, mais pálida, e um pouco menos cheia de vida. - Já fazem...

- Dois anos? Sim, eu sei... Eu sei... Merda. - Ela suspira. Uma baforada de cinismo parece soprar por dentre seus lábios. É o efeito da nicotina, ele pensa. Mas Leonard então se lembra de que Sharon sempre fora assim. Sempre. - Desculpe. Desculpe, Leo. Eu vou embora. - Despede-se rapidamente. Mas não rapidamente o bastante para que os olhos de Leonard não lampejem faiscantes quando Sharon diz melodicamente o seu nome.

O Brilho Nu de Uma Mente EternaOnde histórias criam vida. Descubra agora