danças em carcassone

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primeiramente, aqui está a playlist do capítulo

olhem só pra vocês, crianças
com suas músicas vintage
vindas por meio de satélites
vocês fazem parte do passado
mas, agora, são o futuro

e, às vezes, isso é o suficiente
para fazer você se sentir louco

você se arruma, se veste toda
para ir a nenhum lugar em especial
mas não importa
nada importa
porque já é o bastante ser jovem
jovem e apaixonado

Carcassone, meados de um século distante e esquecido. Tal qual as velharias empoeiradas na estante. E as rosas murchas nunca mais admiradas, guardadas em interiores de livros que, embora agora esquecidos, já foram lidos milhares e milhares de vezes. E as cartas enviadas no verão de 78, verdadeiras declarações de amor provindas de romances desmanchados com o tempo.

Atravesse Yosemite. Molhe os sapatos gastos nas poças de água encardidas, imundas como todos os seres ali presentes e semelhantes às enxurradas das chuvas de setembro - aquelas que banham a safra de tomates, totalmente carcomidos pelas pragas de agosto. Passeie em frente às mansões empedradas, grandes portões mal-encarados, brutos como tormenta, frente à multidões de peões que atravessam a rodela de casas para chegar à ferraria. Só tome cuidado com os cavalos. Não diria que são maus, não. Pobrezinhos! Não passam de seres inocentes. A maioria vivem como capachos nas mãos de seus senhores, os senhores das ferraduras e selos nitrogenados. Os senhores de mal com a vida amam atropelar aqueles que visitam Carcassone.

Maa ignore as vendedoras de flores, estarrecidas feito estátuas de sal. Nunca olhe para trás!, um dia as aconselhei. Mas elas amam seus jardins de rosas, embora a maioria tenham sido incendiados por demônios. Elas deveriam aprender com seus erros do passado, penso. Deveriam! Mas amam por demais suas flores avermelhadas. Apanham tudo o que podem, tudo o que lhes restou. Apanharam as pétalas chamuscadas pelo fogo e, agora, tentam vendê-las para qualquer tolo que cruza a rua!

Já este beco curto aqui vai nos guiar até a Basílica. Mas não se preocupe com ela ainda, chegaremos lá depois. O sino alarmante ainda não ressoou, o bispo ainda não subiu frente ao altar para se banhar com as luzes coloridas dos vitrais. A missa ainda não começou. Então ainda nos resta tempo. Não tenha medo do dia e nem da noite, não tenha medo do escuro. Eu me encarregarei de acender uma vela. Haverá luzes ao seu redor! Creia que sim e descanse um pouco, pois ainda temos tempo. Ainda temos tempo - mas não todo o tempo do mundo.

E qual seria todo o tempo do mundo? Os momentos pendulares que se esgotarão com a chegada dela; a enorme tempestade amarronzada, tal qual seus gigantes olhos castanhos - agora arregalados, em uma expressão amedrontada. Ela virá, creia que virá! E destruirá tudo, e não sobrará pedra sobre pedra. E todas as coisas dançarão até a morte, valsa após valsa.

Vamos. Vamos! O tempo corre. Caminhe como se houvesse um amanhã, ainda que longíquo e distante. Caminhe para alcançá-lo! Caminhe até seus dedos se entrelaçarem ao capim verde, à terra morna, às maçãs despencadas do pomar. Le Lac de la Cavayère repousa convidativo à nossa frente. Então dance, criança! Dance nestas águas límpidas. Mergulhe nelas se quiser, tire os brincos, arranque os colares de pérolas baratas e lance toda a lataria e no solo úmido e fértil, arado. Deixe tudo e vá nadar. Sua alma é jovem, querido. Embora a morte precoce fosse seu lema, não é hora de brincar de James Dean. Em vez disso, deleite-se nas ondas doces espumadas, brinque junto aos cisnes esbranquiçados (espectros nesta grande peça), voe junto às abelhas aventureiras sob o olhar fantasmagórico do sol de outubro, à grama verde e rebelde. Viva engaiolado livre neste eterno Versailles. Viva o Rei Sol!

Após uma tarde refrescante como mel a derreter na boca, como aipo a ser triturado cru nos dentes amarelados e roídos, continue a andar. A caminhada é longa. Mas a sua alma é jovem, querido. Ela tem vigor. Então ande, ande! Ande até avistar o grande forte, pedras velhas e sentinelas não-vigiadas. Que bobeira!, qualquer um entraria ali facilmente. Inclusive, suponho que será isso o que faremos. Entraremos de fininho, surrupiando sonhos durante a madrugada.

Vire à terceira alameda. E cuidado!, não se deixe deslumbrar pelos corredores musicais - o eco - ou pelas camas almofadadas. Continue andando, reto e firmemente. Apenas continue. Não deixe que suas vestes drapeadas e rasgadas lhe atrasem - essas porcarias, sacos velhos de batatas. Não preste atenção no que lhe interrompe, não julgue seus pobres sapatos rasos. Continue, querido, até encontrar o mais belo jardim que já vira. Há borboletas dançantes sobre pomares dançantes sustentando balanços dançantes em um poente dançante. Tudo dança! Veja, até a sua jovem alma dança! Não se assuste com a figura envelhecida, cochilando sobre o chão. Não repare nas rugas contornando os olhos safira, nos dedos enrijecidos pela força do tempo, na poeira sobre o corpo, uma velharia já cansada de dançar. Mas não se assuste, você não está tão velho assim.

Encare fulminante o brando colorido do céu, as nuances desenhadas e as nuvens espelhadas. Ouve, não ouve? O barulho de festa que corre icônico aos seus ouvidos, inicialmente como enxurrada e garoa. Mas que se intensifica intensifica e intensifica. Agora já é um temporal, que molha sua alma e a torna um rio. Um rio de danças!

Não se assuste, querido. Eu lhe disse que sua alma é jovem. E é tarde demais para que envelheça. Então, ela dançará eternamente... Ao som de melodias como você jamais imaginara, melodias eternas. Sua alma agora faz parte delas.

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⏰ Última atualização: Mar 23, 2021 ⏰

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O Brilho Nu de Uma Mente EternaOnde histórias criam vida. Descubra agora