Recolhimento

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No ônibus, por volta das cinco da tarde:
— O troco, senhora.
— Ah, obrigada.
Sentou-se. Seu nome era Pennelope.
— Boa tarde, senhora. Quase noite, não é mesmo?
— Aham.
— Viu as notícias de hoje? — o homem estava lendo o jornal local.
— Ainda não. Não tive tempo...
— Ultimamente tempo vale ouro... Mas estou falando dessa notícia, em específico. — ele virou a folha manchada do jornal para o rosto de Pennelope.
— Qual delas?
— Desculpe, não apontei. Essa.
Na notícia destacada, estava escrito: “URGENTE! Precisa-se de engenheiros qualificados. Serão selecionados 5 engenheiros para uma reforma na casa principal da antiga família Rathcliff em sua ilha particular. A casa será dividida entre os melhores engenheiros da obra.”
— Estranho. Estranho e engraçado.
— Engraçado?
— Sim. Sou engenheira, acabei de perder meu emprego, inclusive.
— Mas olhe que ótima oportunidade!
— Mas... Essa família Rathcliff... O que aconteceu?
— É uma família muito antiga que morreu sem deixar descendentes.
— A casa nunca foi vendida?
— Ficou nas mãos do governo, mas aparentemente eles querem se livrar dos custos de reforma. É uma forma inteligente de troca.
— Realmente...
— Desculpe, qual seu nome?
— Pennelope. Mas pode me chamar de Penny.
— Prazer, me chamo George.
— Bom... eu já te disse que sou, ou era, engenheira, e atualmente estou desempregada. E você?
— Sou engenheiro também. Porém mecânico. Estou bastante interessado em ir. Achei engraçado você também ser, não esperava.
— Bom, é uma boa opção ir para algo sem rumo quando já se está sem rumo, não é? Não há nada a perder.
— Certo... Ah, já é meu ponto. Bom, se for, te vejo lá.
— OK... Até breve!

Eram seis e meia. A essa hora, quase todos já haviam lido a notícia.
— Acho que vou sair do emprego.
— Você tá doido, cara?! Que isso?!
— Não viu a notícia no jornal?
— Claro que eu vi, mas não faz o menor sentido, Ethan! Quer sair de um emprego fixo pra ir numa casa abandonada sem nem saber se vai ganhar? Pelo amor...
— Eu confio no meu potencial, sou o melhor engenheiro da minha área na empresa. Há anos, inclusive.
— Exatamente por isso você não deve sair! Perder tudo?
— Eu só tenho isso, Eric, eu sei. Mas já cansei dessa vida monótona. Vai que eu conheço alguém lá e...
— Aaah, agora eu entendi o que você quer! Onde a solidão leva o ser humano... — Eric ri alto.
— Droga, Eric! Deixa eu terminar de falar. Como eu estava dizendo, vai que eu conheço alguém de alguma outra empresa que pague mais? Posso não sair com a casa, mas com um emprego melhor.
— Só pensa em dinheiro, hein, Ethan? Nem sei o que seria pior. Lógico que eu me impressionaria mais se você fosse procurar uma pretendente.
— Vai te catar!
— Vou mesmo.

Na avenida principal, entre os apartamentos nobres e as casas modestas, lá estava uma pequena república.
— Que tu acha de irmos?
— Acho uma boa. Não temos nada pra fazer mesmo.
— Eu não sei se rio ou choro com isso! Anos e anos cursando engenharia pra sairmos sem emprego nenhum...
— Pelo menos, se formos os melhores, podemos sair com uma casa.
— Você acha que vai ter comida de graça?
— Deve ter. Eles não pedem pra levar nada. A menos que digam algo após a inscrição...
— De qualquer forma, coloca meu nome logo aí.
— Tem que ser o nome todo?
— Sei lá, acho que não.
— Então só escreve Hunter e coloca meu número.
— Certo... foi.
— Agora faz o seu também.
— Eu já tinha feito, bobinho.
— Às vezes é insuportável ser seu irmão, Hasten. Você faz jus ao nome. Sempre apressada.
— Só falta você virar o caçador lá porque não tem comida, então nós dois vamos fazer jus aos nossos nomes.
— Ha-ha. Olha como eu tô chorando de rir com essa sua piada. Não faça uma dessas lá, senão eles te jogam do telhado mesmo.
— Também te amo, little brother.
Por favor, me poupe dessa também.

O tiro foi certeiro. Os cinco foram os selecionados. Uma semana depois, se encontraram pela primeira vez na prévia para o recolhimento.
— Estou nervosa. — Penny disse num volume baixo o suficiente para não ser escutada de longe, porém alto o suficiente para ser escutada por quem estava ao seu lado.
— Não vejo motivos, Penny. Você parece ser boa no que faz.
— Meu Deus, que susto! George, você também conseguiu!
— Sim. Estou bem satisfeito.
— Espero que você consiga a casa. Me aparenta ser um ótimo profissional.
— Bom, sou o único engenheiro mecânico.
— Já é um ponto positivo!
— Olá, colegas! Sou Ethan. Como posso chamá-los?
— Bom dia, Et- como é mesmo?
— Ethan. É, diferente.
— Ahm, sim. Me chamo Pennelope, mas pode me  chamar de Penny.
— Certo, Penny.
— Me chamo George. Prazer.
— O prazer é todo meu, George. Somos todos engenheiros?
— Eu sou engenheira civil, mas aparentemente George é o único engenheiro mecânico.
— Sou engenheira elétrica. Meu irmão é civil. Ah, meu nome é Hasten.
— Eu sou Hunter, creio que não preciso me apresentar mais.
— Prazer, Hunter e Hasten. Meu nome é Penny.
— É, nós já ouvimos.
— Ah... certo.
— Senhores, e senhoras, a hora do recolhimento chegou. — uma voz estranha interrompe. — Não importa meu nome, eu sou só um representante do governo. Só isso. Só. Venham, entrem.
À frente dos cinco, havia uma grande embarcação. Grande o suficiente para levar a cidade inteira. Mas só cinco entraram. O representante ficou de fora.
— Aí dentro há tudo o que precisam. Todas as informações. Boa sorte.
A grande entrada se fechou, lentamente. As luzes foram acendendo e ficando mais fortes, até iluminar todo o hall principal.
— Uau. Isso aqui é lindo. — Penny disse, olhando com admiração para o lugar.
— Pode ser lindo, realmente, mas não justifica o fato de nos ter jogado aqui dentro sem nenhuma explicação. Isso ainda é um absurdo!
— Já vi que essa Hasten é barraqueira.
— Barraqueira uma ova. Quer ver quem é barraqueiro aqui? Venha cá!
— Desculpe, senhor George. — Hunter olha para sua irmã — Às vezes não parece que ela é segundos mais velha que eu. Deveria ser mais madura.
— Tudo bem. Também disse palavras impensadas.
— Hahaha! Já vi quem é o mais insuportável aqui. Olha, não fazem nem dez minutos! Incrível, parabéns senhor Georrrrge. — Hasten responde, enfatizando o R como forma de insulto ao sotaque de George.
— CHEGA! Já deu! Basta! Por favor, vamos ter mais paciência com o próximo, senão nem chegaremos vivos lá. Sabe-se lá quanto tempo vamos passar nesse lugar! Pelo amor! Temos que lidar bem um com o outro, ou pelo menos nos suportar.
— Sábias palavras, Ethan. — Penny retorna a falar, ainda apreensiva que cause uma briga como da primeira vez que abriu a boca.
— Eu encontrei o manual. — George reaparece — Bem, não sei se o nome seria manual, mas aparenta ser um.
— Hunter, me segura. Porque minha vontade de voar nesse Georrrrge é grande, e só tende a aumentar com o tempo. Não sei se vou suportar. — Hansei cochicha.

As Cinco RachadurasOnde histórias criam vida. Descubra agora