Agora restavam três. Estremeciam. Não acreditavam ainda em tudo aquilo. Foram apenas dois dias. Em apenas dois dias, dois morreram. Previam que a viagem duraria apenas mais três dias. A cada segundo se sentiam mais próximos da morte. Com a noite caindo, entraram na casa. No hall principal, lá estava o espelho: uma segunda rachadura havia surgido. Juntas, as duas formavam um grande X.
— Isso pode significar a rivalidade entre os dois... — Penny comenta, ainda com lágrimas escorrendo em seu rosto.
Hunter não consegue responder. Ele apenas para e cai de joelhos. Encostando a cabeça no chão, começa a chorar. Como nunca antes. Vira a cabeça para o lado e, acompanhando o piso xadrez, mira seus olhos na vitrola com um disco dos Beatles encostando na agulha. Naquele momento, toda sua relação com Hasten passa novamente na sua cabeça. Um ódio por George ressurge, e ele passa a condenar o falecido ainda mais pela morte de sua irmã. Ele deve ter se matado porque não conseguia lidar com o peso da própria consciência.Enquanto isso, Ethan estava paralisado. Gélido, suando frio, não tinha forças para se mexer. Seu corpo estava duro, de pé para o espelho. Seu olhar fixava em seu próprio reflexo. Seus ombros estavam tão tensionados que sua clavícula parecia saltar para fora a qualquer momento. Penny olha para o lado e percebe isso. Com cautela, se aproxima e o abraça. Ethan não percebeu. Sua mente não estava ali, mas muito longe. Pensava no que poderia ter acontecido se fosse atrás de George no momento em que Penny o alertou. Pensava, e a cada vez que pensava mais uma lágrima escorria em seu rosto. Ele se sentia morto por dentro. Sua cabeça palpitava de dor. Seus olhos já estavam vermelhos e ardendo de tanto que havia chorado. Ele começou a pensar se George tinha alguma família. Teria filhos? Eles o estariam esperando do outro lado daquele mar? E seus pais? Sua esposa? Os pensamentos afogavam Ethan em sua angústia. Penny parecia conseguir adivinhar isso. Ela o apertou mais forte por um instante, como uma forma de chamá-lo de volta ao mundo real. Deu certo. A mente de Ethan o deixou em paz, e aos poucos ele conseguia relaxar seus músculos. Sentia cada vez mais algo o tocando, passando pela cintura e chegando às suas costas. Olhou para baixo e viu Penny. Ela o abraçava de modo que ninguém o havia abraçado antes. Ela simplesmente sabia o que ele estava passando. De alguma forma, ela conseguiu o antídoto para seus pensamentos. Ele a abraçou de volta, chorando. Penny respondeu com dois tapinhas nas suas costas, como se dissesse: “Está tudo bem. Não é sua culpa.”
O tempo passou. Era noite. Penny, Ethan e Hunter estavam calados desde a ocasião com George. Não conversavam por palavras, apenas por olhares e expressões com a cabeça. Penny apenas conseguia fazer um ovo mexido. Ethan fez um chá de camomila, e no mesmo instante se lembrou de quando George fez o mesmo. Queria chorar, mas engoliu as lágrimas. Não queria ficar como antes. Eles se sentaram, comeram e beberam. Ao terminarem, foram ao quarto. Deitaram, mas não dormiram. A noite passava e tudo que conseguiam fazer era virar de um lado para o outro, retirando e colocando as cobertas. Os sons das árvores pareciam ainda mais fortes que na noite anterior. As ondas batendo na margem os lembravam de George. A visão dele deitado entre as pedras com uma poça vermelha em sua volta era instantaneamente relacionada com o som das águas.
Hunter não suporta tava mais aquilo. Se levantou e foi para a cozinha. Ele não se importava mais se morreria ou não. Era o seu ápice. Ele sabia que não teria psicológico para viver depois do que viu. Ele sabia que o resto da sua vida seria horrível sem Hasten. Ele sabia disso. Então, não sentiu mais medo. Ethan e Penny estavam tão horrorizados que não sentiram Hunter se levantando e não ouviram a porta abrindo. Eram por volta das duas da madrugada. Hunter passa pelo corredor extenso e chega à cozinha.
— Olá, Hunter.
Ele se assusta. Mas, ao mesmo tempo, sentiu que já conhecia a voz.
— Quem é você?
— Meu nome? Você não me conhece, isso não importaria. A minha voz já é suficiente para você, não é, Hunter?
— Eu...
— Como se sente por ajudar sua irmã a matar uma pessoa? Uma mãe... Com filhos para cuidar. Qual foi o motivo, mesmo?! Ah, sim! Dinheiro! Sempre tem dinheiro envolvido. O ser humano é imprestável! Só fixa seu olhar em coisas materiais, em dinheiro, dinheiro, dinheiro...
— Senhor, entenda. Nós éramos imaturos, não pensamos bem antes de fazer isso...
— Oh! Claro! Você me lembrou do ponto mais importante. Eram tão novos... Com 15 anos eu pensava em terminar a escola, ir para uma boa faculdade e, talvez, naquela menina do outro lado da rua. Mas não me importava muito com esse último. Meu maior foco era estudar! Sim... estudar! Mesmo que eu fosse muito diferente do que sou, não consigo imaginar que meu foco com 15 anos fosse matar alguém... por dinheiro. Sabe... é complicado...
— Apenas me diga quem é você. — Hunter muda completamente seu tom de voz e exibe sua fúria. Ele se vira à procura do interruptor, para que pudesse ligar a luz e ver o homem. Ele tinha que saber quem era. Em seu primeiro passo, não conseguiu mais forças para prosseguir. Não consegue alcançar. Estava longe... não tão longe... mas... algo o impedia. Olhou para a sua perna e viu um reflexo luminoso. O que é isso? Brilha... O reflexo da janela. É bonito, metálico. Não é uma faca. É cilíndrico. Mas tem uma ponta dentro de mim. Isso é... é... E cai.De manhã, Ethan se levanta primeiro. Olha para os lados e vê apenas Penny. Hunter não estava no quarto. Penny também se levanta com o barulho da porta do armário. Os dois olham de um lado para o outro procurando pelo terceiro.
— Hunter já saiu? — Penny pergunta.
— Não sei. Eu acordei e ele já não estava. Deve ter acordado mais cedo.
Penny vai ao banheiro primeiro, e não vê sinais de Hunter o ter usado. Mas não se importou em um primeiro momento, pois havia mais banheiros na casa e ele poderia ter escolhido ir em outro para não acordá-los. Seria, na verdade, um ato muito cavalheiro. Quando saiu, esperou a vez de Ethan. Ainda sentia medo de que algo acontecesse, não se sentia segura de andar sozinha. Ela sabia que poderia se defender, e até lutar, se necessário. Mas sabia também que teria menos riscos com um homem por perto. Ela preferia não arriscar. Quando Ethan saiu, os dois seguiram pelo corredor. A casa parecia vazia, mais vazia do que antes. Passaram pelo hall principal. Ethan não notou, mas Penny congelou no instante em que passou pelo espelho.
— E-Ethan.
Ethan olhou para trás. E viu. O espelho não tinha apenas uma rachadura. Agora eram três. Uma terceira surgiu no meio, dividindo todo o espelho na vertical. Era como se tentasse separar as outras duas rachaduras.
— Não pode ser... — Ethan saiu correndo em direção à cozinha. Encontra Hunter caído, sem sinais de tiros ou quedas bruscas. Apenas uma seringa em sua perna esquerda. Dentro dela, o resto de um líquido reluzente. Pressionou seus dedos no pulso e na lateral do pescoço de Hunter e não obteve resposta. Estava pálido e morto.Penny chegou na cozinha e viu Hunter caído. Ethan havia tirado a seringa de sua perna e tentava analisar o que estava contido ali. Ela entrou em choque. Mais uma vez. Retorna a chorar. Penny não tinha psicólogo para ver todas aquelas coisas. Ethan, no entanto, conseguia suportar. Menos a de George. A morte de George era como uma faca em seu peito, ele se sentia completamente culpado.
Ethan era engenheiro civil, mas também havia feito engenharia química. Por não atuar nessa área, não tinha certeza do que estava contido naquela seringa. Parece ter paralisado seus movimentos. Toxina botulínica... Não tenho certeza se ela age tão rápido. Teria que ser uma dose muito alta. E, para matar sem qualquer chance de sair do lugar onde foi aplicado, sem qualquer reação, deve conter algum tipo de droga e veneno mais imediato. Teria mercúrio? São muitas substâncias juntas... É difícil saber. Ethan se perdeu em seus próprios pensamentos e sequer ouviu Penny o chamar.
— Ethan! Ethan!
— Me desculpe, me desculpe. Eu estava... pensando.
— Olha isso. — Penny entrega um pedaço de tecido para Ethan. — Estava agarrado na ponta dessa cadeira.
— Isso aqui não é de Hunter. Não é mesmo. Parece tecido de terno...
— Você acha que...
— Seja do assassino? Tenho quase certeza.
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As Cinco Rachaduras
Mystery / ThrillerInspirado no grande livro "E Não Sobrou Nenhum", antigo "Os Dez Negrinhos", de Agatha Christie, "As Cinco Rachaduras" imersa o leitor em um suspense quase infindo. A cada morte, uma rachadura.