Quatro e Cinco

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- O que fazemos agora?
- Não há nenhum jeito de procurarmos o assassino. Eu tenho certeza que ele não está nessa ilha. Ele só deve vir aqui quando convém.
- Sim, isso faz sentido, mas... Ainda me pergunto por que ele tá matando todos nós.
- Eu desconfiava de quem estava aqui. Já desconfiei de todos. Mas eu não sei se acredito que fosse um deles, pois estão mortos. Com toda a sinceridade, Penny, não desconfio de você. Se for você... eu realmente não esperava.
- Não! Não sou eu! Eu também não desconfio de você, nunca desconfiei. Mas é estranho.
- Sim... - ficaram em silêncio.
- Você se lembra daquela voz?
- Qual?
- A que nos apresentou a embarcação que nos trouxe.
- Sim, me lembro.
- Eu tenho quase certeza que é a mesma voz que leu os crimes que cometemos. As duas eram graves, ríspidas e brutas. Eram roucas e pareciam vir de um homem relativamente novo, porém maduro.
- Você tem um bom ouvido, Penny. Não discordo.

Ethan pega o corpo de Hunter e o coloca ao lado de Hasten, longe da casa. Quando volta, Penny está fazendo um jantar simples: suco de uva, arroz e ovo.
- Parece que temos roskovo hoje!
- Temos o quê?!
- Nunca ouviu essa piada? É um trocadilho com arroz e ovo. Parece uma palavra russa. - Ethan ri.
- Ah, sim... Não consigo processar piadas muito bem. Principalmente nesse momento.
- Entendo.
Eles se sentaram em duas das mais de dez cadeiras que tinham ao redor da mesa. Apenas dois pratos e duas xícaras estavam sobre ela. Penny se serviu, e Ethan também. Por alguns instantes, ficaram olhando para as outras cadeiras. Ficaram pensando sobre tudo que ocorrera em tão pouco tempo. Tudo que haviam passado. Nos motivos. Se é que houvesse motivos. Depois de comerem, se retiraram e foram para o quarto. Lá, Penny se deitou na cama próxima à janela, enquanto Ethan ficou próximo à porta. Dormiram.

De manhã, fizeram como sempre faziam: acordaram, Penny foi ao banheiro, depois Ethan, mudaram de roupa e saíram para o corredor. Seguiram até a cozinha. Lá, Penny colocou um pouco de água para ferver. Se sentou enquanto esperava. Ethan também estava sentando. Olhavam profundamente para os olhares um do outro. Os olhos de ambos estavam fundos, preocupados e caídos. Penny parecia procurar algo nos olhos de Ethan. Sim, estava acontecendo toda aquela coisa romântica clichê. Eu não sei explicar isso. O barulho da chaleira avisava que a água já fervera. Todos os olhares são interrompidos por seu apito. Penny se levanta e coloca a água no coador de café, enquanto Ethan desvia o olhar para o outro lado da cozinha. De lá, avistava o corredor que dava ao hall do espelho. Por um instante, viu algo passando. Não conseguiu identificar se era uma ilusão na sua mente ou algo real. Penny já estava colocando o café nas xícaras, quanto Ethan a chamou.
- Penny, rápido.
Imediatamente, ela deixou as xícaras sobre a mesa e o seguiu, correndo. No hall, não avistou nada.
- O que houve? - Penny pergunta, ofegante.
- Eu jurava que tinha visto algo passando aqui. De verdade.
- Com tudo o que está acontecendo, é normal imaginar coisas que não são reais. Vem, o café tá pronto.
Desconfiado, Ethan retorna à cozinha. Abre um pote em que guardara os pães e pega dois, partindo-os e colocando queijo e manteiga. Deu um para Penny e ficou com outro. Comeu e bebeu do café. Sentia um gosto estranho.
- Esse café está... amargo? - afirmou em tom de dúvida.
- O meu está bom. Deve ter colocado pouco açúcar.
- Talvez. - pegou o açucareiro e colocou mais uma colher de chá de açúcar. Bebeu o último gole. - Estranho. Ainda acho amargo. Mas agora já foi. - terminou de comer seu pão para retirar o gosto estranho da boca.

Não passaram nem cinco minutos. Penny e Ethan estavam conversando quando, num instante, Ethan não conseguia respirar. Ele tentava pegar ar, mas não passava. Se sentiu completamente sufocado. Em desespero, Penny pega água, mas era em vão. Ethan não tinha esgasgado com qualquer alimento. Se lembrando de suas aulas de segurança no trabalho, Penny levanta Ethan e o segura por trás, fazendo uma pressão em seu abdômen. De nada adiantou. Ethan não tinha bronquioaspirado alguma coisa, como Penny temia. Não havia mais nada a fazer. Ele estava pálido, com a pele cada vez mais arroxeada. Sua boca estava branca e seus olhos quase não abriam. Não tinha mais forças, não se mexia. Penny estava ajoelhada e tinha Ethan sobre seus braços. Estava em choque, e tudo o que conseguia fazer era chorar. Estava vendo Ethan morrer enquanto o segurava, sem poder fazer nada para ajudá-lo. Esforço era fútil. Não existiam médicos, remédios ou qualquer outro antídoto. Ethan ia morrer. E, como previsto, foi o que aconteceu.

Penny estava, agora, sozinha. Foi ao hall do espelho e lá estava o que esperava: mais uma rachadura. Olhava, chorando.
- Eu deveria ter dito o que sentia... Mas de que adiantaria? Ele morreu. Como todos os outros. E como eu vou. Eu sei que vou.
Nesse momentos, ouviu passos vindos da porta de entrada. Sentiu calafrios e ficou gélida. Não saíam mais lágrimas. Ela sequer sentia seus membros. Ela só sentia que era sua hora de ir, como os quatro. De pé, com todos os músculos tensionados, sente um metal gelado encostar em sua nuca.
- Ainda bem que sabe, Penny. Ainda bem que sabe. Fico feliz em saber que conseguiu chegar à conclusão de que é fútil fugir, se esconder ou se proteger. Todos morreram e você é mais uma. Sim, eu sei. Você não matou ninguém. Mas, sabe... Suas ações e de Ethan foram suficientes para causar a morte de Steve Hansell. Oh! Deve se perguntar como. Você conhecia muito bem o sr. Hansell. Trabalhava para ele, certo? Pois bem. Não precisava conhecer muito o Steve para saber que ele juntava todas as suas economias. Sempre guardava o que ganhava, e por isso conseguiu acumular um grande patrimônio. É uma pena, porém, que duas pessoas tenham tirado tudo dele. Com a extorsão de Ethan, Hansell ficou sem nada. E você, sem sequer conhecer Ethan, falsificou os documentos importantes de Steve para usar como... como o quê? Por que você fez isso? Tinha real necessidade? Eu creio que não. Impulsos emocionais dentro de você a forçaram a fazer isso. Por uma... vingança? Dentro de você, havia ódio. Ódio por ter ficado desempregada. Por sair do emprego em que você tanto se esforçava e se dedicava. Mas, você não sabia os motivos, não é mesmo? Você não sabia que ele demitira seus empregados por uma crise financeira. Com as falsificações, Steve entrou em uma grande estafa. Ele não dormia, nem comia, pois estava completamente falido. Seu nome estava sujo por coisas que ele sequer cometera. Isso o levou a um ataque cardíaco e, instantaneamente, à morte. Morreu novo. Apenas quarenta e cinco anos. Muito novo. Tinha um filho que acabara de sair da faculdade. A esposa tinha sido morta há poucos anos. Imagine a vida desse filho... Não é fácil, não é?

Após essas palavras, o silêncio pairou no local. O metal frio que encostava na nuca de Penny já havia esquentado e foi retirado por um momento. Ela não sentia a si mesma, mas sabia que estava pálida. Tinha medo e dor profunda de arrependimento. Sabia que tinha errado, mas não tinha pensado nos seus atos. Não sabia da morte de Steve Hansell. Não sabia que tinha culpa por isso. Ouviu um som vindo de suas costas e, dessa vez, era da arma sendo ativada. O metal já havia esfriado novamente e estava de novo em sua nuca.
— Creio que não tenha forças para dizer últimas palavras. — apertou o gatilho.
A bala passou pelo pescoço de Penny e chegou ao espelho. Uma quinta rachadura se formou por milésimos de segundo, quando estas se tornaram mil. O espelho se desprendeu da moldura e caiu no chão. Pedaços brilhantes de vidro estavam agora espalhados pelo então vazio cômodo. Penny estava caída, sem qualquer emoção no rosto. Tudo estava acabado. Os cinco se foram e, junto com eles, as rachaduras.

E não sobrou nenhum.

As Cinco RachadurasOnde histórias criam vida. Descubra agora