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A noite caiu, e os cinco começaram a arrumar seus dormitórios. Depois da tarde conturbada e a voz estranha, eles não sabiam muito bem o que fazer. Não havia formas de sair dali. Estavam presos, sem comunicação com o mundo externo.
— Até que a noite aqui é bonita. As estrelas brilham mais. — Hasten pensa alto.
— É. Não discordo. — Ethan responde de longe.
— Pensei que não podia falar comigo, Ethan. E a Penny? Não se sente mal?
— Eu já disse, somos bons amigos. Assim como sou de todos aqui.
— Sei.
A essa altura, Penny já está com os olhos fechados, prontos para entrar em total repouso. George e Ethan não conseguem tirar os olhos do poema na parede. A cada segundo, se sentem cada vez mais incomodados com aquilo.
— O que você acha, George? Os quadros... O poema...
— Acho que uma família de bom gosto morou aqui. Mas não deixa de ser mórbida.
— Eu sei que pode parecer besteira mas... Eu não sei...
— Que foi, Ethan?
— Não consigo dormir. Esse ambiente está me deixando muito mal. Mas, é coisa minha.
— Pode ficar tranquilo, Ethan. Eu acredito que todos aqui se arrependeram de seus atos e não desejam matar ninguém.
— Sim, mas eu não estou falando disso... Olha, eu... eu acho que vou tentar dormir de novo. Valeu, amigo.
Ethan se retira em passos largos e curtos, tropeçando nos próprios pés. George continua ali, olhando o poema, o espelho e os gatos por algum tempo, e depois se retira. Todos retornam aos seus respectivos quartos e, com muita dificuldade, dormem.

É de manhã. Como num estalar de dedos, a noite passa, e o primeiro dia também. Todos chegam ao mesmo tempo na cozinha, e preparam seus pratos, em silêncio. Hasten, cansada de ver o desânimo de todos se tornando seu próprio desânimo, encontrou uma vitrola e discos de vinil. Ali tinham clássicos. The Beatles, Led Zappelin, Cream entre outras bandas. Ela escolheu o disco branco, e Back to the U.S.S.R. começou a tocar. Todos olharam, ainda boquiabertos de ver Hasten dançando em meio a essa situação.
— Vem, gente! Não somos todos infratores? Perdidos? Condenados? Então o que faremos?! — Hasten diz com uma voz dramática. — Se tem uma vitrola e discos, em meio a um hall com piso xadrez, é porque podemos dançar!
— Essa mulher é louca. — George sussurra para si mesmo.
Penny ainda está pálida, desde o dia anterior. Sente dor em todas as juntas e seus lábios persistem brancos, quase roxos. Ainda se sentindo mal, ela se retira e vai ao quarto, onde se mantém por quase todo o dia.
— Tudo bem, estou vendo que vocês não querem dançar. Certo... Acho que vou no telhado ver se tem alguma antena para consertar e tentar ter acesso a alguma televisão. O monitor nós temos. — Hasten aponta para uma pequena e velha televisão sobre uma prateleira.
— Quer que eu vá junto? — George oferece ajuda.
— Não, obrigada. Não adianta ser legal de vez enquanto.

Hasten pega uma escada e sobe ao sótão. Lá, retira algumas telhas e, se apoiando em caixas, sobe ao telhado. Os outros estão nos seus próprios quartos, lendo um livro, olhando para o teto, tentando dormir. Ethan bate na porta do quarto de Penny.
— Pode entrar...
— Oi, Penny. Trouxe um café. Acabei de fazer.
— Obrigada, Ethan. — houve um silêncio.
— Se precisar de algo, é só falar.
— Tudo bem. Sua companhia ajuda muito.
— Ah... então eu... fico? Ou vou? Ou...
— Estou com dor de cabeça. Apenas... fique.
Ethan ficou. Mas ficou completamente sem graça. Foi se apoiar em um pequeno criado-mudo, porém não percebeu que era pequeno. Apoiou seu corpo em falso por seu braço e, inevitavelmente, caiu de costas no chão. Só aquilo poderia fazer Penny rir na situação em que se encontrava. Não apenas rir, mas gargalhar, de chorar.
— Ai... — Ethan resmunga, mas logo ri junto.
— Só você mesmo. Acho que agora você também vai ter que ficar de molho!
— Creio que não. — Ethan diz tentando se levantar. — Acho que dá pra ficar assim. — Tirando a poeira dos braços e joelhos, Ethan lembra sozinho de uma referência que tinha com Eric. — Sangue de lagarto no joelho!
— Espera... Você já leu?
— Falei alto?!
A Nona Configuração?
— Sim, já li, lógico que li... Eu e meu melhor amigo trocávamos referências. Até eu ficar preso aqui...
— Não seja pessimista! Ah! Eu amava esse livro... Porém não tinha ninguém para compartilhar ideias. Me conte mais sobre Eric!
— Conheci ele na faculdade. Na verdade, no terceiro ano do ensino médio. Mas não conversávamos muito nessa época. Começamos a ser amigos mesmo no primeiro período... Pô... — Ethan diz com tom nostálgico. — Passamos todos os períodos juntos e entramos no mesmo emprego. Na semana que eu resolvi vir pra cá, ele me disse que era loucura. Que eu deveria pensar melhor. Já tinha uma carreira formada, uma vida pronta. O melhor trabalhador da empresa. Sempre nos destaques. Ele me avisou! Droga! Por que não ouvi?! — Ethan segura o choro. Ele nunca foi de chorar. — Enfim. Ele era meu amigo. Meu parsa.
— Que lindo... — Penny diz, extremamente comovida.
— Você tá chorando?
— Me emociono fácil. — Penny engole o choro. — Mas você também foi quase! — ri.
— É... — Ethan acompanha a risada.

Paff. O clima é interrompido por um forte barulho do lado de fora.
— O que foi isso?! — Ethan diz, assustado.
— Algo caiu?! Mas com som tão forte... — Penny se assusta.
Hunter abre a porta com toda a força, batendo a maçaneta na parede e criando um buraco no gesso revestido com papel de parede.
— A HASTEN! A HASTEN! — ele diz chorando, gritando, esbaforido.
— Hasten? — Ethan e Penny dizem juntos e saem correndo atrás de Hunter.
Na varanda, a cena, quase inacreditável: Hasten caída, sobre a poça de seu próprio sangue. George, ao lado, fica intrigado com a situação, porém não tão assustado quanto Penny. Penny treme, chora, quase grita. Não consegue acreditar no que vê. Por quê? Quem? Como? Tais perguntas surgiam na mente dos quatro. Agora eram quatro.

George se retira, em passos lentos, em direção ao hall de entrada. Lá, suas atenções se voltam para o espelho: uma rachadura. Ele chama pelos outros três, que olham intrigados. Penny, aos prantos — como sempre — não tem forças para perguntar sobre aquilo. Ethan, com sua curiosidade, faz isso por ela.
— O que aconteceu aqui? Como esse espelho simplesmente quebrou?
— Eu não sei... Por isso chamei vocês.
Hunter não consegue opinar. Não dá maneira em que estava. Acabara de perder sua irmã que, por mais inconveniente e chata que fosse, era sua outra metade. Não dividiram a mesma placenta, mas dividiram o mesmo útero por longos nove meses. E, depois disso, dividiram suas vidas, até mesmo a faculdade. Eles estavam prontos para dividir essa nova experiência e, quando saíssem, dividir o mesmo emprego. Sempre trabalhavam juntos. Os dois juntos se completavam, virando a dupla perfeita para qualquer obra.
Twins... — Hunter retorna a chorar ao se lembrar de todos os momentos em que tiveram juntos.

As Cinco RachadurasOnde histórias criam vida. Descubra agora