Cris.

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   Era possível Beto estar apaixonado?

— Eu tenho um defeito.

   Cris disse no primeiro encontro; eles estavam em um restaurante, o mais barato da cidade, porque, por mais que ela se vestisse como uma modelo, não era e nem tinha a renda de alguém famosa.

— Eu falo sozinho constantemente. Sabe, as paredes são ótimas ouvintes. Nada pode ser pior.

— Não sei falar papalepito

    Todo o líquido que descia para a garganta de Beto foi posto para fora.
Sua garganta ardeu e uma risada incontrolável subiu pelo seu peito; esse era com certeza um belo jeito de como não se deve agir num primeiro encontro.

— Paralelipípedo?

— Essa coisa aí mesmo.

   O cabelo dela estava preso num rabo de cavalo, com a franja preta alinhada. Cris passava um ar de mulher séria, mas era tão palhaça quanto Beto.

— Eu já ri no velório do pai de um amigo meu. Porque tipo o cara morreu engasgado com uma semente. Quem diabos morre assim?

— Meu cachorro morreu assim.

    Os dois se encaram. Olhos castanhos com olhos negros, quase nenhuma diferença.
   Até que riram tão alto e receberam olhares de reprovação dos seres ao redor.

— E como seu amigo está?

— Ele não é mais meu amigo.

— Uhm. — Ela riu e comeu um pouco da massa em seu prato. — Meu nariz entope dia sim e dia não.

— Eu ainda durmo de luz acessa.

— Tenho medo do carnaval. — Ela tapou o rosto.

   Beto sentia medo do que estava prestes a dizer. Mas com Cris tudo parecia tão fácil e leve...

— Eu sou virgem.

Odeio gatos.

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