Capítulo I: Quando a Mágica Acontece

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(Capítulo: 2720 palavras)

Emílio Oliveira da Silva

A vida segue a ondas na pacata Vila de Itaúnas. As mesmas famílias de pescadores, os simples restaurantes de frutos do mar e o som do forró embalam os turistas que trazem suas histórias pitorescas. O salgado do suor e do sal era familiar para Emílio, acostumado a pescar com seu negro pai, seu Sebastião da Silva, nas águas quentes ou trazer conchas para sua mãe, dona  Penha fazer sua singela arte. E o mesmo faz e fez seus irmãos, primos, vizinhos e os antepassados de seu pai, negros e sobreviventes. Já sua mãe, vindo de fora, da cidade, amou a vila, amou seu pai e construiu uma família tão mestiça quanto o povo.

Os vizinhos sempre falavam de seus pais novos e apaixonados dançando forró, andando nas dunas e tocando o acordeão e o triângulo, mas não viveu isso. Cresceu no seio da pequena na igreja evangélica seguindo os rígidos preceitos de Jesus bíblico. Viveu nessa verdade imposta, mas sempre questionando o determinismo dessa religião. Fugia para dançar, corria para ser benzido as escondidas e oferecia pequenos presentes para o mar pedindo proteção a ele e a seu pai, mesmo que ele renegasse. Mas cada passo contra a crença de seus pais era seguido por dúvidas e medo de estar pecando e se condenando. Lutou a vida toda contra isso, dividido entre o que aprendeu e o que sentia que tinha que fazer. Quando feliz dançava, mas com medo encontrava o conforto da fé simples em sua certeza. Não sabia o que era, não sabia o que queria ser, só queria parar de duvidar.

Há poucos dias encontrou no bornal de seu pai uma velha imagem de Nossa Senhora dos Navegantes, não sabia o motivo disso. Será que seu pai também questionava sua fé? Deveria seguir os costumes de seus avós ou manter a de seus pais? Com essas dúvidas seguiu para o quiosque que trabalhava com seu irmão. Passou pela ponte e parou para ver as pequenas corujas sobre a cruz de madeira a encará-lo. Não teve muito trabalho durante o dia, mas pela tarde uma tempestade se formava no mar caiu. Tudo virou um caos, água entrava na cozinha, cadeiras de praia caíam, isopores e tendas queriam voar com a força do vento, janelas batiam junto com os trovões que ressoavam.

- Me ajuda, Emílio!

Ficou encharcado guardando as coisas, as cozinheiras clamavam para Santa Bárbara a cada trovão, enquanto tentavam secar a cozinha.

- Hei, tem algo para comer?

Ouviu uma voz feminina no balcão de atendimento do quiosque, mal pode acreditar. Foi até lá e se deparou com uma garota muito branco, de cabelos loiros crespos ensopados e, desafiando os raios, fazendo a unha com uma lixa de metal.

- Menina, guarda isso. Chama raio!

- Acabei de chegar aqui na vila e tô morrendo de fome. Tem alguma coisa aí pelo amor de Jeová?

- Moça, vou dar uma olhada na cozinha, mas não posso prometer nada. Olha esse alagamento. – Disse rindo e saiu.

- Traz uma Ecobier também!

Essa garota deve ser doida, meu Pai do Céu. Pegou a cerveja a gritou:

- Pode ser uma coxinha?

- Sim!

A serviu e ela devorou com entusiasmo. Ainda de boca cheia perguntou:

- Qual é o seu nome:

- Emílio.

- Emílio Santiago. – Disse ela rindo. – Nossa, paguei de tia.

Emílio também riu, mas estava cansado dessa mesa piadinha desde que nasceu.

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