Capítulo III: Indo para Castelobruxo

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(Capítulo: 2175 palavras)

Afonso Moura

Dessa vez teve que ir pra Vitória com o velho, empoeirado e sucateado ônibus da Real. Estava um pouco vazio e não cheirava bem, em segundos suas costas ficaram molhadas de suor, mas podia ser o nervosismo de finalmente ir a Castelobruxo. Pegou sua playlist de rock, escolheu Matanza e ficou divagando na interminável viagem repleta de paradas. Antes de sair seu pai o havia lhe dito para não lhe causar vergonha e tomar a cartela da lua. A muito tempo eles não conversavam e viu em seus olhos uma luz de orgulho. Na rodoviária um homem lhe esperava com um cartaz com seu nome, era negro, alto e tinha farto sorriso. Disse com um sotaque estranho:

- Só faltava usted, Afonso.

O rapaz sorriu e sem dizer mais nada entrou em um fusca verde passando pelo centro até o porto onde novamente encontrou Oberdan, agora acompanhado da pessoa menos bruxa que já vira, e duas senhoras bem bruxas. O rapaz estranho devia ter a sua idade, era baixinho, moreno e parecia estar completamente confuso.

- Afonso, este é Emílio. Ele também é bruxo, mas é de família não-bruxa. Esta é minha avó, Elô, e sua amiga Henrichetta.

Estende a mão para todos e sorri meio tímido. O homem negro cumprimentou os rapazes e disse que logo chegaria o vapor, achou estranho, mas já tinha visto muitas coisas para realmente se surpreender. As senhoras conversavam com os meninos com carinho e se despediram, mas a avó de Oberdan se aproximou e disse lhe entregando um embrulho.

- Se acontecer algo mastigue a erva de amansa-cão.

Agradeceu com um sorriso amarelo, todos pareciam saber de sua condição maldita e maldita seja a imensa comunidade bruxa capixaba. Assim que elas foram embora e no exato momento do sol poente ouviram um forte silvo do vapor que se aproximava da baía. Estavam ansiosos, mas não estavam mais sozinhos, dezenas, talvez uma centena de jovens como eles também esperavam o barco. Mas eram estranhos, usavam roupas antigas, apesar de bem cuidadas. Alguns usavam ternos de tecido grossos e outros vestidos curtos e coloridos. Era como assistir diversos filmes de diferentes épocas ao mesmo tempo.

- O que tá acontecendo? - Perguntou o tal Emílio ainda mais pasmo.

O barco então pequeno era imenso, quase do tamanho do canal, e a cidade que a margeava era menor, com brilho estranho, antigo. Homens pobres, quase todos negros colocaram rampas pouco confiáveis de madeira e a multidão passou a entrar na embarcação vinda de lugar nenhum e de qualquer época.

- Vocês estão vendo isso?

Emílio correu para falar com uma garota, Oberdan olhava paralisado para outra e Afonso seguiu para o vapor, mas próximo da rampa viu uma menina exatamente igual a uma fotografia de sua mãe. Se coração se apertou, ela era linda e usava o mesmo vestidinho amarelo de uma foto antiga. O que está acontecendo? Nesse interim Oberdan caiu, vários estavam caídos, muitos chorando enquanto a maioria continuava a entrar no vapor.

- Me ajuda, Emílio! - Ele e uma garota ajudaram a levar Oberdan para dentro da balsa que agora era bem menor e apenas pessoas com roupas usais se entreolhavam.

- Oberdan, acorda! - Chamava preocupado Emílio, enquanto Afonso abanava seu rosto e olhava para os que estavam no entorno, finalmente os jovens bruxos indo para Castelobruxo.

- Onde a gente tá, Afonso?

Olhou para o lado e não viu os contornos de Vitória, mas sim uma imensidão de água com longínquas margens esverdeadas. Pássaros voavam e mergulhavam no rio escuro como piche, ilhotas passavam onde macacos gritavam e um forte cheiro de selva invadiu suas narinas. Já estamos na Amazônia.

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