DONCASTER, setembro de 1919
Emergi pela porta de entrada do Hotel da senhorita Cantwell, no qual ficaria hospedado nos próximos dias, o cheiro amadeirado consumindo minhas narinas enquanto meus olhos eram preenchidos pela visão rústica do interior do estabelecimento. Uma senhora de meia idade baixinha e vestida com um avental veio me receber, contando-me que havia acontecido um imprevisto em relação ao meu quarto, e que eu infelizmente teria de esperar para me ocupar dele. "Houve uma tentativa de assassinato ontem, ah sim senhor, foi terrível" disse ela.
– O senhor que se hospedou trouxe companhia para passar a noite, o problema é que a pessoa tentou mata-lo e roubar os pertences, porém foi muito mal na tarefa de eliminar o indivíduo, não lhe causou nem cócegas. Os dois acabaram presos.
Franzi a sobrancelha, confuso, e então decidi questiona-la.
– Entendo que a acompanhante tenha sido presa, mas por que motivos o senhor que ocupava o quarto também foi?
– Não sei se entendeu a situação, Sr. Styles, ele trouxe um homem para passar a noite.
– Oh, entendo.
Decidi por sair e ir até um bar para espairecer, a mulher garantiu que quando eu retornasse, meu quarto estaria pronto. Tive uma conversa muito boa com um senhor que deveria ter em média uns sessenta anos. Ele me pagou algumas cervejas, me ofereceu um cigarro e quis conversar um pouco sobre o campo de treinamento, mesmo que eu sentisse repulsa com o assunto.
– Tive dois filhos que foram para lá, sabe? sinto falta deles – disse o homem.
Ele me contou o nome dos garotos, eu lembrava de um deles, não conversamos muito, mas ele era um bom sujeito.
– Sei as coisas que sente, rapaz. – ele afirmou para mim.
O olhei, curioso pela afirmação tão convicta – Me diga então senhor, o que é?
–A primeira é culpa – afirmou com convicção.
– E a segunda? – questionei.
– Ora, é óbvio. Você se odeia.
De volta ao hotel, a senhora veio novamente me pedir desculpas pelo transtorno, e me convidou para almoçar com ela e o filho no dia seguinte, porém eu recusei, alegando que havia marcado um jantar com alguém especial, e que provavelmente sairia já pela manhã.
Tomar um banho e me olhar no espelho ainda era uma tarefa difícil devido a todas as marcas que me pertenciam. Isso me trouxe à tona – sem motivo específico – uma situação de minha adolescência: me lembrei de Mitch Rowland.
Mitch era meu grande amigo de infância. Não me tardei a lembrar também de Camille Rowe, nossa vizinha próxima na época, e que foi nosso fim.
Estávamos no início da adolescência e nossos corpos estavam mudando. Então, um dia Camille me disse que me achava o garoto mais bonito da cidade, disse também que eu a arrepiava. Ela me beijou naquele dia, e eu me senti entusiasmado e repulsivo.
Foi nosso único beijo. Uma semana depois ela e Mitch anunciaram que estavam apaixonados, e que se casariam quando atingissem a idade.
Eu fiquei louco, é óbvio que eu fiquei. Mas tive que aceitar a situação como ela era.
Me vesti após me secar, e voltei para a cama.
Parei para pensar sobre minha vida.
Tinha vinte e um anos e decidira que parte da minha vida estava encerrada. Que burrice a minha. Duas vezes apaixonado, pensei ao fechar os olhos e reclinar a cabeça no travesseiro.
Duas vezes apaixonado e duas vezes destruído por isso.
Na manhã seguinte decidi que andaria pela cidade para conhecê-la antes do almoço.
Passei por uma ponte e avistei uma lanchonete, e lembrando que ainda não havia consumido nada, resolvi parar para tomar um café. Ao olhar pela vidraça da faixada, já do lado de dentro, percebi que a lanchonete estava de frente para um açougue, e lembrei de meu pai. Meu pai que um dia me disse "A verdade, Harry, é que seria melhor para todos nós se os alemães matassem você de cara" enquanto apertava os dedos contra meu pescoço.
Paguei a conta, e andei um pouco mais pelas ruas, passando em frente à uma igreja pequena e simples, que possuía em suas laterais, jardins floridos com estátuas de Santos. Avistei, tendo uma conversa, um senhor vestindo uma batina, e um jovem.
– Senhor, preciso da lista de materiais para hoje, para enviá-la.
– Não sei se será possível hoje, minha filha inventou um negócio, sabe? preciso estar em casa hoje mais tarde.
– Entendo perfeitamente reverendo Tomlinson, apenas tente não se atrasar.
Cada centímetro do meu corpo se congelou com o nome do sujeito. Tomlinson? É claro, me lembro muito bem deste sobrenome, me lembro muito bem de Louis me contando sobre seu pai ser envolvido com a igreja.
O sujeito me olhou e me direcionou um meio sorriso, e então eu corri.
Sim, corri, porque estava demasiadamente espantado, não iria conseguir encará-lo.
Percebi que estava perto do horário combinado para meu almoço. Tinha sido iniciativa minha me comunicar com Charlotte Tomlinson. Apesar de não conhecê-la, Louis sempre a mencionava, e sempre escrevia para ela.
Eu também tinha uma irmã, ela tinha onze anos quando sai de casa. Eu a escrevia, mas nunca recebia nada de volta. Desconfiava que meu pai confiscasse as cartas.
Eu escrevi para Charlotte quase nove meses depois da guerra, dizendo que possuía as cartas que ela mandou para Louis no período de treinamento, que ele as guardou e eu acabei as pegando depois. Também disse que sentia muito por ele, e que éramos grandes amigos.
A resposta demorou, cheguei a desconfiar que ela nunca escreveria de volta. Quando recebi uma resposta, ela disse que sentia muito pela demora, disse também que admirava o carinho com o qual eu falava de Louis, e que ficaria honrada em ter as cartas de volta.
Com mais algumas cartas escritas, marcamos um encontro hoje nesse mesmo restaurante no qual estou agora, sentado em uma mesa próximo a parede, olhando para a porta esperando ansiosamente que ela entre por lá.
Alguns minutos depois uma figura vestida com um sobretudo e botas entra e se aproximou de minha mesa.
– Senhor Styles?
E naquele momento. Naquele momento me faltaram palavras.
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O pacifista [Larry Stylinson]
FanfictionHarry Styles, um jovem que foi expulso de casa aos 15 anos e se alistou no exército inglês aos 17. Sempre muito recluso, durante o período da primeira guerra mundial ele acabou se tornando amigo de Louis Tomlinson. Desculpa, se tornando amigo é um e...