DOIS - Parte 2

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Chocolate é importante. Muito importante. Então acho que três barras grandes de diamante negro, mais um pacote de chocolate meio amargo em pó são um bom começo.

Jogo o pacote dentro do meu carrinho de compras e encaro o que já está aqui dentro. Devia estar evitando qualquer gasto desnecessário, mas eu vou precisar desse chocolate. Tenho certeza. A casa ainda vai me dar muita dor de cabeça até tudo estar arrumado.

E isso me lembra que tenho que descobrir onde fica a farmácia e comprar antialérgico.

Suspiro e olho ao redor. Doces, doces, massa de bolo... Já deu. Já fiz um pequeno estoque de chocolate, não posso gastar tanto assim. Especialmente considerando que estou fazendo compras para o mês e não tenho dinheiro sobrando – tenho faltando, na verdade, porque ainda preciso fazer orçamento da faxina e dos consertos.

Saio da parte de confeitaria e doces e entro no corredor de produtos de limpeza. Talvez não tenha sido uma boa ideia vir fazer compras agora. Tenho coisas demais para arrumar na casa. Mas não faço ideia de por onde começar e minha geladeira já está ligada de novo, então... Melhor vir fazer compras do que ficar em casa fritando sobre por onde começar a faxina.

Eu vou precisar de coisa demais para limpar aquela casa. E isso porque estou pensando só em limpar. Não estou contando as paredes que vou ter que pintar de novo por causa das manchas do tempo, nem que provavelmente vou ter que pintar os móveis de madeira também e...

Não. Depois. Uma coisa de cada vez, e primeiro vou comprar só o mínimo necessário para passar o mês.

— ... é, da dona Marília.

Respiro fundo e me concentro na minha lista mental de compras. Não é a primeira pessoa que escuto comentando alguma coisa sobre minha avó. Parece que todo mundo aqui sabe quem ela é, o que não deveria ter me surpreendido. Numa cidade desse tamanho, se ela tinha uma hospedaria, é óbvio que todo mundo ia saber quem ela era.

Mas o que me incomoda mesmo é como todo mundo está me encarando. Não é como quando fui na padaria, mais cedo. Aquilo era só curiosidade. Agora... Agora os olhares estão parecidos demais com como estavam me encarando no trabalho depois que Gabriel contou a "versão" dele do que aconteceu. Vim para cá justamente para fugir disso, e agora...

Não. Não tem como as mentiras dele terem chegado aqui. Ele nem faz ideia de onde eu estou. Só estou sendo paranoica. Só isso.

Foda-se, vou comprar mais chocolate.

O supermercado tem dois caixas. Um deles já está ocupado por uma mulher terminando de passar suas compras, então vou para o outro. O homem que está nele levanta a cabeça e grunhe alguma coisa quando me vê. Claro. Mais alguém com cara de bosta porque não sou daqui. Não importa. Começo a tirar as coisas do carrinho. Pacote de cinco quilos de arroz, dois pacotes de feijão, um pacote grande de açúcar, farinha de trigo...

Droga. Como é que eu vou levar isso para casa?

— Vocês fazem entrega?

O homem olha para mim de novo.

— Só na terça.

Hoje é quinta. Droga. Paro, segurando dois detergentes. Acho que não precisava ter pegado tantas coisas, mas... Hábito. Hábito maldito de fazer compras para duas pessoas sem ter que me preocupar, porque todos os supermercados entregam e se não entregassem eu poderia só ligar para Gabriel e ele viria me buscar. Nem valia a pena eu comprar um carro para mim. Já estávamos morando juntos, trabalhando no mesmo lugar, ter dois carros seria desperdício. Não precisava. Era melhor que eu guardasse o meu dinheiro para comprarmos nossa casa...

Sombra e Luar (Entre os Véus 1) - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora