Consumida pelo cansaço.
Assim ela se sentia, consumida pela dor, pelo ar, pelo estar e pelo fato de ser.
Corrompida.
Assim ela estava, corrompida por todos, por ele e por uma culpa que não deveria carregar.
Julgada.
Todos os dias por todos eles, por cada um de seus demônios.
Todos os dias por sua mãe, por pessoas que deveriam amar.Na escola sempre era a mesma rotina. As pessoas sugando todas as suas forças, suas energias e sua coragem, sufocando seus sonhos.
Roubando suas esperanças.
Eles machucam. Eles corrompem.
Aniquilam.
Destroem.
Eles riam, apontavam, xingavam.
Cansada.
Levando em sua mente assombrações. Lembranças.
Ela a cada instante mais fraca.
Machucada.
Perdida. Buscando de noite em noite um mão estendida para prestar socorro.
Derramando-se em lágrimas e medo.
Sufocada por toda atmosfera tediosa.
Enquanto se divertem com cada uma das lágrimas.
Letícia queria gritar, explanar novamente o quanto precisa de ajuda, mas todos viram o rosto e se afastaram da menina estranha, assassina.
Faltam apenas três aulas e pronto. Ela contava os segundos, acompanhando o pêndulo do relógio.
Ela achou que aguentaria e no fim chegaria em casa.
Sua mãe gritava e em de forma histérica culpava.
Histérica diz que tudo não passa de show, que sempre fez de tudo e nunca é suficiente.
Letícia só queria se proteger, então assente, se cala, se tranca, e mais uma vez não consegue apoio.
No seu quarto em meio a tanta confusão, se drogar nem parece tão ruim. Entorpecentes e todas aquelas aminas.
A enlouquecedora necessidade de sentir.
O amargor.
O sal das lágrimas.
O cheiro de derrota.
A tontura deixada pela droga.
Uma paz que carrega de forma avassaladora uma crise.
Formada pelo seu ponto de escape.
Tudo que agora dói parece nada perto do vago dentro de Letícia.
Um misto de sentimentos que ela é incapaz de distinguir.
Vazia, é assim que ela sempre foi...
Cheia de dor e pensamentos.
Vazia de sonhos, propósitos, planos, amores, de paz, vazia de vida e perspectiva.
Cheia de medos.
Letícia
Da janela de meu quanto o mundo me parece tão lindo, pena não ser possível apenas observar o mundo. Ser uma anônima telespectadora.
Tenho que viver e que grande merda é tentar viver. É lutar incasavelmente por espaço.
Dói, as ânsias constantes atormentam-me.
Acredito que talvez essa seja o único ponto negativo das drogas, porque ainda assim elas aparentam ser tão boas para mim.
Elas me enlouquecem, me anestesiam, me acalmam e me tiram da órbita. De lucro elas pouco a pouco consomem o que conheço como vida.
Tento buscar em minha memória o momento em que tudo isso passou a ser um inferno, acho que foi com a troca de escola , ou talvez quando fui violentada, ou ainda quando descobriram que eu tentei envenenar meu avô, mas o psicólogo disse que foi quando eu comecei a me drogar.
Idiota.
Questiono-me se a culpa um dia deixaria de ser minha.
Me drogar é o único ponto alto do meu dia.
Avô aquele idiota não merece esse título. Eu pelo menos diria que não pelas vezes que tentou me violentar, pelas vezes que me tocou.
Mas eles não sabem, não acreditam no que digo. Minhas palavras não tem poder algum.
Eles falam muito e dizem que tudo é fruto da minha imaginação corrompida de drogas.
Começo a pensar que talvez seja realmente minha culpa, minha mente já não me obedece .
Sei que usei além do comum, além do meu comum.
Mas continuo.
Insisto em permanecer no meu ciclo.
A fumaça do cigarro, a agulha da seringa, o teto do meu quarto. Hoje está tudo tão lindo.
Eu queria ser linda.
Foco meu olhar no céu e invejo a Lua, quero ser como ela.
Queria ser assim como a Lua.
Tenho tantas rachaduras como ela, mas não sou bonita. Dentro de mim não existe luz, mas diferente dela eu não possuo um corpo celeste que me empreste o seu brilho.
O mundo gira, mas agora parece estar fora de sua órbita. Tudo sempre esteve fora da minha órbita.
Sou uma drogada, uma perdida. Na realidade eu não sei quem eu sou.
Meu corpo treme, pareço com uma débil, uma doente que treme de forma constante. Deve ser assim que uma pessoa se sente ao tomar um alto choque.
Sinto-me eufórica.
Não consigo mover minhas pernas, não consigo respirar e talvez eu morra.
Não faço nada pra evitar, no fundo penso que isso é tudo que mereço.
Que mereço partir, mereço me transformar. Conquistar uma nova fase.
Acredito que mereço uma chance de renascer, de refletir luz e tornar-me bela, mais bonita que a maldita Lua.
Talvez eu me torne.

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Cinco Formas de Morrer
Nouvelles- contém temáticas sensíveis! Volte para casa, volte para onde nunca deveria ter saído, volte para os braços daquele alguém que te faz bem, volte para tudo que um dia você foi, volte porque sair dói bem mais do que voltar e porque viver vale bem mai...