*** 1994. YeS. ***

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*** 1994. SeTeMBRO. SáBADO. YeS. ***

A fumaça de aroma adocicado cobria completamente o ar da casa e Aline brigava com todos na garagem.


- Seus descoordenados, não conseguem manter o ritmo, não?


Caim largou a guitarra na cadeira ao seu lado e foi buscar outra cerveja no freezer. Sabia que não ia adiantar discutir.


Kennedy e Pereba se revezavam na bateria e no baixo para tentar agradar à estrela ao microfone. Embora a tarefa se revelasse cada vez menos possível ao longo do tempo, Kennedy não podia deixar de tentar:


- Amor, você tá bebendo muito. Sua voz já não tá legal... vamos parar por hoje... já passa das duas da matina...


Pereba apoiou o amigo:


- É verdade, Aline. Acho que chega por hoje.


Aline largou o microfone no pedestal e tomou a garrafa da mão de Caim. Começou a beber no gargalo e, quando parou, limpou os lábios com as costas da mão que estava livre. Olhou para os rapazes e disse:


- Meus amores, depois desta noite, isso não vai mais fazer diferença... nem precisaremos mais ensaiar ou sequer cuidar da voz. Nossa carreira meteórica não poderá ser abalada por nada neste mundo. Nada neste mundo.


Ela se jogou na cadeira de balanço e olhou para Zora:

- Vamos lá? Já não tá na hora?


Zora concordou e se levantou, deixando a prima sentada sozinha no sofá de dois lugares. Assim que Izabel se acomodou melhor ocupando as duas almofadas, Zora revisou um por um os recipientes nos quais as ervas queimavam. Pegou o tabuleiro e o colocou no chão. Colocou seis almofadas ao redor do tabuleiro, uma diante de cada recipiente. Sentou-se em uma delas e chamou os demais para que ocupassem as outras.


Scooby, que dormia diante do sofá, encostado nos pés de Iza, acordou e levantou os olhos, sem mexer a cabeça. Olhou para ela e sentiram uma tristeza melancólica, um no olhar do outro. Izabel sentiu-se um tanto estranha e percebeu que todos estavam com os sentidos um tanto alterados. A começar pelo dog alemão, que era sempre tranquilo, mas nunca tão apático. Era como se ele também pressentisse que algo ruim estava para acontecer.


Já eram quase três horas da manhã quando Aline conseguiu reunir todos ao redor do tabuleiro de Zora. Não foi muito difícil, bastou um comando com a voz rouca e todos estavam sentados no chão em suas respectivas almofadas.


Os preparativos é que tomavam tempo. Já estavam tomando muito tempo. Meses de preparo e, finalmente, era chagada a hora.



Ordenou que Pereba baixasse a música a um som quase imperceptível e que se preparasse para retomar a festa e o som alto assim que terminassem a sessão.


- Que sessão?


- O jogo, criatura. O jogo!!!

Após uma breve iniciação protagonizada por Zora, todos colocaram as mãos na parte móvel que deslizava pelo tabuleiro, em busca das letras e do YES ou NO como resposta para suas perguntas.


- Há alguém aqui? – perguntou Zora com os olhos fechados. Como se Aline já não soubesse.



A peça móvel se deslocou em direção ao YES, para espanto de todos os que participavam daquela sessão pela primeira vez. Suas mãos acompanhando a seta que apontava o alfabeto, agora para responder a segunda pergunta de Zora:



- Você é do bem?



Aline e Zora reconheceram a manobra da seta, como das outras vezes. Começaram a soletrar quando a maioria esperava por um simples YES ou NO.


Apreensivo, Pereba leu em voz alta a resposta apresentada, letra-após-letra, como se quisesse propor aos demais que desistissem daquele jogo:


- Tanto quanto vocês?


Estranhamente, Zora parecia ter reconhecido o suposto ente ali presente e ia fazer nova pergunta quando foi interrompida de pronto pela rouquíssima e impaciente Aline de feições visivelmente deformadas:



- Sinal verde, então?

Motocontínuo, Aline levantou apoiando-se nos ombros de Izabel e Kennedy, que sentavam ao seu lado. Ninguém mais conseguiu ver o resultado direito debaixo de suas mãos. Zora tirou a franja diante dos olhos e ficou fitando o tabuleiro. Maria Izabel acompanhou Aline com os olhos.


A vocalista em único gesto continuado apontando para os rapazes e aqui e ali, distribui seus comandos sem uma única palavra.


Pereba aumentou o volume do som, mais alto ainda do que quando tinham chegado na casa.


Caim e Kennedy pegaram o cachorro e o levaram de arrasto para o jardim interno.


Aline viu que Zora havia travado em transe, olhando perplexa para o tabuleiro. Ela repetia em voz baixa para si mesma com os olhos arregalados e com as palmas das mãos voltadas para cima diante do tabuleiro:


- YES? YES... com é possível? YES? Fala sério!

Aline percebeu que tinha que agir por conta. Pegou a adaga sinuosa da cintura de Zora e saiu apressada também em direção ao jardim.


Izabel pressentiu que algo de muito errado estava acontecendo, levantou-se também e foi defender o dog alemão.


Faria dezoito em breve, mas não chegaria a tempo de evitar o sangue que escorria do pescoço cortado. Aline observava a cena com um certo ar de satisfação. Sempre soube que o sucesso exigiria sacrifícios.



Caim e Kennedy no jardim interno seguravam o cachorro que tentava voltar para a garagem, latindo muito ao som do vinil que lhe abafava as súplicas.


Maria Izabel sentia a visão turvar enquanto a de Aline se tornava cada vez mais vivida.


O cachorro latia cada vez mais enquanto o sangue escorria lentamente para dentro do recipiente no qual uma das ervas continuava a queimar.


Um corpo sem vida foi deixado no chão, até o amanhecer, do lado de fora da porta da garagem, diante do jardim interno. Scooby a muito custo foi levado para dentro da garagem e uivou por horas sem parar ao som de clássicos do rock colocados no toca-discos ininterruptamente por Pereba. Os demais tinham um ritual para concluir e passariam o sábado e o domingo ocupados em ocultar o crime que os levaria ao estrelato.

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Continua no próximo capítulo:
*** 1994. SeTeMBRO. SáBADO. A úLTIMA CeRVeJA. ***

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Versão em quadrinhos:

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