1. pegue a chave

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✦✦✦ D O L L H O U S E ✦✦✦

capítulo um

PEGUE A CHAVE


A pequena cidade de Kwang, na Coreia do Sul, era altamente conhecida pela fabricação bonecas. Seja de pano, cera ou plástico, todas chamavam a atenção de quem passava pelas diversas lojas de bonecas espalhadas pela cidade. E, apesar da maioria admirar essas pequenas maravilhas, para Kim Yeri, era um dos maiores problemas de viver ali.

A garota de dezesseis anos nunca gostou de bonecas, e quando pequena, brincava no máximo com bichinhos de pelúcia, mas não era muito achegada. Entretanto, além de aguentar bonecas como símbolo da cidade que acabaram de se mudar, ela agora seria obrigada a dividir o quarto com sua irmã mais nova, Wendy.

Seu quarto era patético, como o de uma pequena criança. Com tons pastéis, adesivos de animais e flores espalhados pela parede, prateleiras repletas de bonecas e bichos de pelúcia — todos com um sorriso radiante em seus rostos. Além, é claro, do cheiro de perfume doce impregnado no cômodo.

O mais incrível de tudo não era o fato da adolescente ter que dormir num quarto infantil por ser o único lugar de sobra, e sim porque aquele quarto já estava decorado quando chegaram, enquanto o resto da  banhava em cores mortas.

Algumas partes da residência como paredes e piso estavam desgastados, pois os últimos moradores dali haviam morrido fazia poucos anos. Eles sempre mantiveram aquela decoração do quarto das garotas, além de alguns quadros espalhadas pela casa.

Enquanto desfazia suas malas, Yeri reclamava mentalmente em ter que dormir junto com Wendy, pois prezava pela sua privacidade e gostaria de fazer sua própria decoração.

Às vezes sua atenção desviava para as bonecas, ela as encarava, revirava os olhos e voltava a atenção para as roupas que precisavam ser dobradas.

Wendy entrou no quarto saltitante e sorridente enquanto se lambuzava com uma barra de chocolate, o que fez a mais velha bufar porque a menina de onze anos se comportava como um bebê.

— Cuidado! — exclamou a adolescente de longos cabelos ruivos — Mamãe comprou esse vestido tem pouco tempo, ela vai se chatear se sujar.

A menina acabou ignorando o comentário de sua irmã, dizendo:

— Estou usando essa roupa para a foto de família hoje. Acha que estou linda como uma boneca?

A pequena esbanjava um ar orgulhoso, rindo atoa, balançando-se no mesmo lugar e com vontade de correr em volta da casa de tanta empolgação. Apesar de ser brincadeira de criança, incomodava muito Yeri.

Os pais viam como uma brincadeira inocente, a irmã via como um problema, uma doença.

Porque Wendy era tão obcecada por aquelas criaturas repugnantes e sem vida a ponto de se espelhar-se nelas e fazer de tudo para ser igual a elas. Vivia falando em querer emagrecer, em como odiava suas bochechas cheinhas, mas acabava se entupindo de comida e chorando por não conseguir ser saudável.

A pobre menina não enxergava a sua própria beleza.

— Bonecas são idiotas, Wendy! Você não vai querer se igualar a elas.

Ficou evidente que a menor não gostou nada do que ouviu. Em sua cabeça aquilo não foi uma ajuda, e sim a quebra das suas expectativas.

Quem olhava a família de Yeri os via como exemplo a ser seguido, mas poucos sabiam o que acontecia quando as cortinas da casa se fechavam.


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Kim Jiyeon era vista como uma grande matriarca e uma mulher de respeito, que sabia pôr ordem na casa, educar suas filhas e ainda sentir orgulho de si mesma. Mal sabiam o quão insegura e sensível ela era, sempre se achando insuficiente e achando que havia errado com suas filhas.

Kim Youngsuk era julgado como um perfeito e equilibrado chefe de família, entretanto, seus transtornos faziam dele um homem infiel. E sua mulher sabia disso, mas era covarde demais para deixá-lo. Preferia sofrer com ele a estar sozinha.

Yeri se lembrava perfeitamente dos seus treze anos, enquanto brincava de caça ao tesouro com Wendy, e acabou encontrando os remédios para ansiedade que seu pai ingeria exageradamente. Desde aquela época ela não o via com os mesmos olhos, notando também fortes sinais de agressividade da parte dele.

Todas essas coisas atormentavam a mente da jovem moça enquanto se preparava junto a seu pai e irmã para a primeira foto em frente a nova casa. Ela era a única que não sorria, sabendo que depois do flash os sorrisos se apagariam e toda aquela falsa felicidade não passa a de uma mentira.

— Jiyeon, anda logo com isso, preciso voltar ao trabalho. — Youngsuk reclamava, fitando o relógio em seu pulso.

— Um momento! — a mulher terminava de ajustar a câmera para o clique automático.

Ela correu para perto da família ao ver que o cronômetro havia iniciado e faltavam apenas cinco segundos para bater a foto. 

— Isso é ridículo. — murmurou Yeri.

— Ora, parem com isso, quero todos sorrindo. Suk, Yeri, Wendy. Façam caras felizes.

— Como bonecas! — a criança gritou.

— Bonecas não! — Yeri reclamou rangendo os dentes.

— Isso, filha! — Jiyeon se apoiava nos ombros do marido — Agora todos façam cara de bonecas.

O resultado final da foto era quase mostrando a família como ela realmente era. O pai saiu sério, a mãe claramente tinha um rosto abatido e sorriso forçado e Yeri nem se esforçava em demonstrar uma falsa felicidade. A única a sorrir largamente e fazer sinal de paz e amor com as duas mãos próximas aos olhos era, obviamente, a mais nova dentre todos.

No fim, foi tudo apenas um momento, e todos voltaram aos seus afazeres cotidianos. Yeri ajudando a mãe a limpar a casa, Youngsuk trabalhando em seu escritório e Wendy brincando no pequeno jardim.

Durante a noite o quarto das garotas estava mais sombrio, e o lugar estava frio mesmo com as janelas fechadas. Wendy dormia serenamente e sonhava com coisas fofas e coloridas, enquanto Yeri estava triste demais para dormir.

Estava enrolada dos pés à cabeça, apertando os olhos e chorando silenciosamente contra o seu travesseiro. Essa era uma das piores partes de dividir o espaço com alguém, não poder chorar em paz. Ela não aguentava mais a sua vida, de viver em meio a tanta falta de amor e cercada por mentiras.

Mas as bonecas viam tudo, as bonecas eram as únicas a observá-la enquanto todos os outros estavam de olhos fechados. E esse era um dos motivos para ela cobrir até seu rosto, para não ter que encarar aquelas porcarias feitas de plástico.

Fechou os olhos, decidida a ao menos tentar dormir, e então teve a estranha sensação de estar sendo observada, e algumas batidas ecoavam em sua mente. Assemelhavam-se a batidas na porta, e ela sabia que não eram os toques da sua porta. Então, de onde via?

O pior era a sensação de que havia alguém por perto, com uma doce voz sussurrando ao seu ouvido:

— Vamos, garota, abra a porta... Abra a porta! Eu sei que você quer brincar.

Aquela voz ela desconhecia, e quando abria os olhos e olhava ao seu redor, o cenário do quarto continuava o mesmo. Mas era apenas coisas da sua mente cansada. Pelo menos o que ela acreditava, logo decidiu dormir.

Dollhouse | jungri ✦ LIVRO UMOnde histórias criam vida. Descubra agora