Capítulo 9

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De novo?

Pisquei os olhos para a luminosidade que entrava pela janela do quarto, cegando-me por alguns segundos, e então eles se acostumaram a ponto de permanecerem abertos. A primeira coisa que vi foram os cílios: grossos, pretos e longos, tão longos que chegavam a encostar nas bochechas. Depois, o nariz afilado e os lábios finos e muito avermelhados.

Durante a noite, Felipe tinha se virado na cama e eu feito o mesmo, o que tinha nos deixado cara a cara, seu rosto a centímetros do meu. Estava tão próximo que eu sentia sua respiração calma e adormecida tocar meu rosto e nossos braços se encostavam. Para completar, meu outro braço repolsava sobre a cintura dele, a mão espalmada em sua pele, e nossas pernas estavam envolvidas pelo mesmo lençol, apesar de ele ter pegado um para mim na noite anterior.

Toda aquela aproximação me deixou extremamente nervoso. Meu coração disparou, de repente, e eu não soube mais muito bem o que fazer. Tinha medo de que, qualquer movimento, até mesmo a aceleração da minha respiração, o fizesse acordar, então continuei completamente imóvel por vários segundos. Porém, quando Felipe mexeu ligeiramente os braços, tomei coragem, afastei o corpo do seu e consegui sentar na cama, ainda observando o rosto adormecido dele.

Felipe parecia tão sereno, quase como uma criança, enquanto dormia. Perdia toda a carranca habitual, suas sobrancelhas grossas não estavam franzidas e seus lábios ligeiramente abertos, muito mais vermelhos do que o normal. A longa franja escura caia sobre seus olhos.

Levantei-me da cama e pesquei minha calça do chão, tirando meu celular de lá e vendo que haviam duas chamadas de Scott. Era ainda era muito cedo para eu retornar a ligação e percebi isso pelo relógio ao lado da cama de Felipe, o qual marcava 6:07.

Isso me fez lembrar que eu não podia simplesmente ir embora pela porta da frente, já que a mãe de Felipe não sabia que eu dormira ali, e também não quis acordar o menino que estava deitado, tranquilamente adormecido, para me ajudar a sair escondido. Observei a janela do quarto e percebi que aquela seria a minha única opção.

Tirei a calça do pijama e voltei para os meus jeans da noite anterior, junto com a camisa suja de sangue. Minha mão ardia a cada pequeno movimento, mas continuava bem protegida de bactérias por causa do curativo. Perguntei-me como o colocaria de volta quando chegasse em casa e tivesse que tirá-lo para tomar banho.

Quando terminei de me vestir, abri a janela do quarto e deixei a brisa da manhã tocar meu rosto. O ar era fresco e carregado de umidade, trazendo consigo o cheiro da maresia e das flores que cercavam a casa de Felipe. O sol estava começando a surgir sobre o telhado das outras casas, iluminando-as com seu brilho dourado.

Olhei para baixo e vi que poderia muito bem descer pelos galhos da planta parasita que crescia nas paredes da casa, pois ela formava uma verdadeira escada verde até o chão. Mas, antes de qualquer coisa, eu teria que agradecer Felipe por ter me deixado passar a noite ali. Pela primeira vez em muito tempo, não tive horríveis pesadelos que me faziam acordar com dor de cabeça na manhã seguinte e eu devia isso a ele, principalmente depois do ocorrido no dia anterior.

Peguei um papel de desenho, ainda em branco, da mesa de estudos e escrevi um curto bilhete, deixando-o sobre a cômoda.

Obrigado por tudo.
Estou saindo pela janela, não se preocupe.
Abraço,
Tody

Passei pela janela com facilidade e desci com cuidado para não fazer muita pressão em um único ponto da planta e acabar quebrando um de seus galhos. Era muito fácil descer por ali, escalando a parede e apoiando o peso no tronco da trepadeira aos poucos. Quando cheguei ao chão, corri para o carro e fui embora o mais rápido possível dali, deixando para trás um adormecido Felipe.

Como não te amar?Onde histórias criam vida. Descubra agora