Capítulo 31

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Eu sabia o quanto era crítica a condição de Simon. Entendia que, se não fosse pela intervenção da minha mãe mais cedo, ele já estaria morto agora. Mas de alguma forma, eu não tinha realmente aceitado que ele estava morrendo até eu entrar em seu quarto e os fragmentos finais da minha negação serem arrancados de mim.

Não era a palidez azulada das feições de Simon enquanto ele estava deitado, de olhos fechados, na cama. Não era o traje de hospital que ele tinha se recusado anteriormente a vestir, a máquina de eletrocardiograma que mostrava sua baixa pressão sanguínea de forma chocante ou o pesado cheiro do que, agora eu sabia, era câncer. Não era nem mesmo suas batidas cardíacas irregulares que me levaram para a realidade de que essa era a última vez que eu veria meu tio. Não, era a bandeja de rodinhas no canto do quarto, sem telefone, laptop ou qualquer arquivo. Aquilo rasgou meu coração com a dor de mil lâminas de prata.

Você falou com ele há poucos dias atrás!

Uma voz gritava dentro de mim.

Como pôde chegar a isso tão rápido?

Eu afastei o soluço que ameaçava irromper e fui para o lado de sua cama, de forma muito suave passando minha mão por seu braço. Eu estava com medo de perturbá-lo ao saber que eu estava aqui e com medo de ele não saber. Ele estava ligado a uma máquina de eletrocardiograma, mas apesar dos tubos em seu nariz, ele respirava sozinho em aspiradas pequenas e superficiais que não davam a ele oxigênio suficiente, a julgar por sua palidez.

Eu sentei lá em silêncio por meia hora, o observando, lembrando da primeira vez que encontrei Cowell, todo o caminho até a última vez que o vi antes de agora. Nós tivemos histórias boas e más entre nós, mas os erros do passado desapareceram sob minha crença de que Simon sempre tinha tentado fazer o que achava que era certo. Isso não tinha feito dele sempre um bom tio, mas fez dele o que nós todos somos, pessoas falhas que tentam fazer o melhor sob duras circunstâncias. Eu não tinha ressentimentos sobre nosso passado. Só gratidão por ele ter estado em minha vida e um desejo de que ele não tivesse que partir agora.

― Karla. - O sorriso mais fraco passou pela boca de Simon quando ele acordou e me viu perto de sua cama. ― Não achei que conseguiria te ver de novo.

Respirei fundo. Era isso ou eu perderia o poder frágil sobre minhas emoções que me impediam de desabar descontroladamente em lágrimas.

― Sim, bem, você não veria, exceto que ouvi que você está tendo problemas de obediência com sua nova recruta. - Eu disse, conseguindo sorrir mesmo que eu sentisse que meu rosto ia se estilhaçar.

Simon soltou uma pequena e dolorosa risada.

― Acontece que sua mãe obedece ordens do mesmo jeito que você obedecia.

Seu comentário irônico serviu para enfatizar nossa história, intensificando meu sofrimento perante o pensamento de perdê-lo. O único sentimento que meu pai e eu compartilhávamos um pelo outro era de aversão mútua, mas Simon encontrou seu caminho para o meu coração mesmo antes de eu saber que era parente dele.

― Você sabe o que dizem sobre o fruto e a árvore. - Eu respondi. Então minha compostura se rompeu e algumas lágrimas caíram apesar do meu melhor esforço para contê-las.

Oh, Karla, não chore.

Simon não disse em voz alta, mas eu ouvi de seus pensamentos tão claramente quanto se as palavras fossem gritadas. A mão dele foi em direção a minha, dando tapinhas antes de fechar os olhos.

― Vai ficar tudo bem. - Ele sussurrou.

E eu ouvi a outra coisa que ele não disse, mas que ecoou por minha mente com mais clareza do que pensei ser possível aguentar.

Night Huntress Vol #5Onde histórias criam vida. Descubra agora