Destino: Formação de Eventos que Levam ao Fim

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    Como a calmaria que vem antes da tempestade, o sol das 6hrs invade o quarto de Amber e toca delicadamente em seu rosto, paralelamente com o soar escandaloso de seu despertador.

    – Que manhã reluzente e aconchegante, parecia que eu não dormia há séculos, mas olha só agora, estou nova em folha. – Desligou o despertador e se espreguiçou lentamente.

    Amber levantou da cama e foi tomar café enquanto mexia nas correspondências, mas uma lhe chamou a atenção.

    – Contas, contas, o que é isso? Ah, mais contas, droga! Espera, isso é o que estou pensando? Uma carta do meu avô?
 
    A jovem estava apreensiva, afinal, em dois anos que estava morando ali aquela era a segunda carta que seu avô teria enviado, a primeira foi assim que se acomodou no apartamento. Ela pegou uma faca em uma gaveta e abriu a carta, dentro dela estava escrito:

Oi Amber, já faz tempo que não lhe escrevo, há dois anos você tomou a independência pelo braço e foi em busca de seus sonhos. Tenho orgulho de você. Me desculpe se te pareceu forçado o que fiz, mas queria que soubesse que eu estava tomado de boas intenções, é uma menina esperta e conseguia se virar muito bem sem ninguém, sempre aprendeu rápido, sempre se esforçou, nunca teve vergonha de errar e tentar novamente, diferente do resto de nós, bom, me refiro a mim  mesmo já que sou o único que sobrou, a questão é que você sim é capaz de realizar seus sonhos e ambições com as próprias mãos , nunca pare de acreditar.
Também queria que soubesse de minha situação atual. Sua irmã cuida sempre de mim, você sabe que minha saúde nunca foi das melhores, estou velho e cada vez mais debilitado, porém não se preocupe, a tendência era essa mesmo. Dito isso, gostaria de avisá-la que um dia quando eu partir desta vida tudo o que possuo será seu e de sua irmã, minhas únicas herdeiras. Não precisa se preocupar em me visitar, se concentre na sua nova vida.
Me arrependo de muitas coisas que fiz durante todos esses anos, laços que cortei, pessoas que abandonei e toda aquela velha história que você já deve saber. Queria finalizar dizendo que a sua capacidade vai muito além, seja a melhor dentre todos nós.
De seu velho avô que a ama muito.

    De certo Amber foi atingida emocionalmente, no entanto sempre soube que a morte do avô vai chegar uma hora o outra, estar longe dele amenizaria o pesar de tais acontecimentos. Enxugou as lágrimas dos olhos e foi se aprontar para sair, afinal, ainda precisava encarar o professor canastrão ao término das aulas e suportar passar o resto do dia com Lucy no escritório.
    Café tomado, dentes escovados, roupa vestida, Amber estava pronta para sair, mas antes, foi guardar suas contas e a carta de seu avô na gaveta do criado mudo quando se deu conta que, por baixo de seu despertador havia um papel, estranhou na mesma hora, não se lembrava de ter posto nada ali. Pegou o papel que estava dobrado, o abriu, e ao começar a ler, se apavorou.
    
Olá Amber, ainda não é hora de me apresentar formalmente, contudo posso dizer que te conheço bem, esses dois anos que estamos passando juntos tem sido uma bela experiência pra mim. Finalmente tomei coragem de entrar em contato e a partir de agora farei de tudo para que me note, modéstia parte sou um artista e gosto de expressar minhas emoções através de minhas obras primas, logo as verá, procure nas pistas que deixarei, quero que venha de encontro a mim enquanto vou ao seu encontro, adoro uma boa aventura, quero brincar de detetive, só de pensar já fico excitado. Logo encontrará a primeira pista. Antes de denunciar qualquer coisa a polícia, saiba que eu sei o paradeiro da sua família, sua irmã mais nova e seu avô, a diversão deve ser apenas entre nós, não se esqueça disso.
De seu admirador secreto.
   
    Amber entrou em choque, rapidamente passou os olhos ao redor, procurou alguma coisa fora do lugar, um sinal de arrombamento, qualquer coisa diferente, mas nada parecia estranho no apartamento, tudo permanecia intocado, a jovem pensou em chamar a polícia, porém ficou com medo de provocar a ira desta pessoa e ela fazer exatamente o que havia descrito na carta.
  
    – Devo falar para alguém? É seguro sair de casa? Posso deixar meu apartamento vazio sabendo que tem um doido que me vigia e consegue entrar facilmente? Oh meu Deus o que eu faço, o que eu faço? – Se perguntava Amber desesperada.

    Sua decisão foi sair e seguir para a aula, trancou o apartamento e ao descer o primeiro lance de escada bateu na porta de sua vizinha do andar de baixo, que logo abriu.
  
    – Bom dia senhora.– Amber agia nervosa e com um sorriso forçado.
    – Bom dia!
    – Eh, a senhora escutou alguma movimentação estranha no andar de cima ontem de manhã ou a tarde enquanto eu estava fora?
    – Não, nenhuma. Não me diga que foi roubada? Meu Deus, que lugar perigoso, este país me apavora, aonde eu morava antes era mais tranquilo!– A vizinha se tornava eufórica.
    – Não, não fui roubada, só queria saber se teve alguém que apareceu e me chamou, ou procurou por mim, a senhora sabe como é, eu moro sozinha e pode ter vindo alguém me visitar.
    – Tem certeza menina? Se aconteceu alguma coisa é bom chamar a polícia!
    – Está tudo bem senhora, era só curiosidade. Desculpe bater na sua porta e te incomodar tão cedo. Tenha um bom dia.
    – Certo, então, tchau.– A vizinha confusa observava a jovem descer as escadas.

    A jovem mais atenta e amedrontada do que nunca sai do apartamento se dirigindo rapidamente ao metrô. Logo quando entra no carro do metrô encontra um lugar para se sentar, em sua bolsa estava a carta de seu admirador secreto, ela passou o trajeto todo da viagem lendo e relendo o que dizia no papel tentando achar sentido em tudo aquilo, tentando puxar alguém na memória que tivesse esbarrado em sua vida na capital durante esses dois anos que ali vivia, em vão pensou e não chegava a conclusão alguma. Qualquer um que houvesse cruzado seu caminho neste período não tinha absolutamente nenhuma chance, nenhum perfil de ser a tal pessoa, mas ao mesmo tempo qualquer um poderia ser o autor daquela carta, o admirador secreto.
    Amber desembarcou na estação às 8:30 bem no horário da aula, andou bem pouco até ver de longe a confusão que se formava em frente a faculdade aonde estuda, então apertou o passo. Uma multidão tinha se formado, vários policiais, repórteres, alunos, professores, pedestres, muitas pessoas reunidas. Abrindo caminho entre as pessoas a jovem pôde testemunhar uma cena no mínimo aterradora. No topo da escadaria que leva à entrada principal da faculdade, numa posição de Buda sentado, lá estava uma aluna morta, toda desmembrada, os braços no lugar das pernas e as pernas no lugar dos braços, a cabeça da aluna repousava sobre o próprio colo. Amber automaticamente vomita perante a visão.
    Intuitivamente Amber associou aquilo a carta, o desespero tomou conta de seu corpo, ela teve um pequeno ataque de pânico, quando de repente do meio das pessoas surge Scott, o professor.

    – Ei menina, você está bem? Não deveria estar olhando para uma coisa dessas. – O professor Scott amparava Amber. 
    – Professor só me diga uma coisa, – ela tomava fôlego – a polícia pegou quem fez isso?
    – Não, o corpo foi encontrado a mais ou menos uma hora, ninguém sabe a quanto tempo ela está aí de fato. Nem o pessoal da perícia chegou ainda, isso é um absurdo!– Ele parecia estar irritado.
    – Como assim eles não chegaram ainda? Se faz mais de uma hora que a encontraram assim, que absurdo!
    – Eles alegaram um mal funcionamento na comunicação, como se a frequência que eles usam estivesse sendo alterada toda hora, ou coisa do tipo. Para mim isso se chama incompetência.!
    – Meu Deus, meu Deus, meu Deus, isso não pode estar acontecendo de verdade!!– Ela leva a mão a cabeça em negação.
    – Você conhecia aquela aluna? – O professor lhe encara. 
    – Não, mas eh, olha só o que fizeram com ela, meu Deus!
    – Melhor sair daqui, as atividades acadêmicas estão suspensas por tempo indeterminado.
    – Sim. Obrigado por me ajudar.– Amber saía desnorteada do local.
    – Disponha.– Ele acenava se despedindo.

    A jovem saía pela multidão, entretanto a dúvida pairava sobre sua cabeça, ir trabalhar, ou voltar para o apartamento? Se fosse trabalhar ela conseguiria executar suas tarefas? Se fosse para o apartamento iria conseguir ficar sozinha sabendo que tem um assassino a espreita?
    Chegando desavisado e sem saber o que estava se passando, aproxima-se da multidão, Dylan, Amber pôde enxergar o pobre rapaz desavisado adentrando no meio de todas as pessoas, assim como ela há alguns minutos. Desejou ter ido até ele para avisá-lo, impedi-lo de ver aquilo, não o fez, pois, achou que seria a consumação do seu desejo de conversar com ele, usar a situação como desculpa seria no mínimo uma falta de respeito com a estudante morta. Rapidamente a jovem volta a ficar imersa em pensamentos.

    – Preciso pensar com calma, se eu for trabalhar pelo menos estarei cercada de pessoas, mas e se eu não conseguir trabalhar? Poderia simplesmente avisar que estou doente e ficar em casa, mas ficar em casa é perigoso, de qualquer forma como vou conseguir dormir hoje a noite? E agora?

    Após muito pensar, por fim decidiu tomar o ônibus e ir trabalhar, achou mais seguro. Não podia acreditar em tudo o que estava acontecendo, se alguém a observou por dois anos por que justo agora? Como alguém se manteria anônimo por tanto tempo se estava tão obcecado?
    Sentada no banco e inquieta, Amber se colocava a pensar, aquilo a corroía por dentro, eis que tocam no seu ombro. Era uma aluna de sua turma, uma das alunas populares, ela tremia bastante, rosto muito pálido, em sua mão carregava uma carta.

    – Amber, correto?– A moça respirava pesado.
    – Sim, você estuda comigo, não é?
    – Estudo, meu nome é Catherine.
    – Por que veio falar comigo, Catherine?– Amber a olhava de cima a baixo e ao redor.
    – Você sabe que quem está por trás deste assassinato te conhece, não é? E que ele está atrás de você certo?
    – Como sabe disso? E que carta é essa na sua mão?– Ela se encolhia apreensiva.
    – Ele me instruiu a entregá-la para você!– Sua expressão demonstrava pavor.
    – Ele? Você conhece ele? É uma cúmplice?
    – Não, essa carta apareceu em minha caixa de correio junto com outra, essa em seu nome e a outra na minha, me dando instruções do que eu deveria fazer. 
    – De qualquer forma isso é cumplicidade, por que entregar a mim?
    – Ele me ameaçou, tinha coisas horríveis escritas na outra carta, disse que se mais alguém soubesse disso minha família morreria e eu estaria lá para assistir.  – Catherine chorava – A princípio eu duvidei, mas ele previu isso também, me disse para ir hoje a faculdade o mais cedo possível, então quando cheguei, eu vi aquilo!
    – Quando você recebeu esta carta Catherine?– Amber a segura pelo braço.
    – Ontem no início da tarde.
    – Como soube que eu era a Amber?
    – Ele deixou uma foto sua junto à minha carta e, você estuda comigo, eu saberia...
    – Mais uma pergunta! Como sabe que é um homem? Fica chamando de "ele".
    – Não sei, mas carta foi escrita à mão e parece ser a letra de um homem.– Catherine sinalizava para descer no próximo ponto.
    – A carta que eu recebi também foi escrita à mão, estava tão nervosa que nem reparei na letra. – Amber se pôs a pensar. 
    – Pegue a carta Amber, – ela a entregava – não quero me envolver mais nisso, não vou falar nada para a polícia, afinal eu não sei por que fui escolhida para lhe entregar isso, nunca havia sequer falado com você antes, só pegue a carta e boa sorte!

    Catherine entrega a carta e desce em seu ponto. Amber seguiu perplexa, lhe faltava coragem para ler a nova carta, entretanto isso tinha que ser feito, foi quando teve uma ideia, iria até o ponto final do ônibus e lá poderia ler a carta, quem a vigiava provavelmente sabia dos lugares onde ela parava, seguir para um ponto diferente parecia ludibriável. Não demorou muito para que ela chegasse ao destino. 
    Ao desembarcar no ponto final ela deu uma olhada aos arredores, procurou um canto distante das outras pessoas e enfim leu a carta. 


"Se está lendo essa carta então já deve ter visto minha primeira obra de arte e ter se dado conta de que não estou brincando. Quero ver até onde posso chegar com minha arte, e é justamente assim que expressarei meu amor e admiração por você. Não se preocupe Amber, não pretendo te machucar, nem macular o seu corpo maravilhoso, o seu ser me regozija e fico feliz em poder te acompanhar de perto.
Em breve estarei pronto para dar a você e ao mundo outra de minhas obras, mas lembre-se, isto é um segredo só nosso." 



    Era uma brincadeira de muito mal gosto, um serial killer a solto com desejo de mostrar suas façanhas para uma jovem estudante de arquitetura que se prendia ao medo de ser morta, isso com certeza a colocaria como telespectadora de todo aquele teatro do horror. Não existia uma possibilidade de denunciar a polícia, parecia ser o mais sensato porém o medo de envolver sua irmã e seu avô não deixava Amber dar este passo.
    A jovem pegou o ônibus voltando, ao parar na rua do prédio onde trabalhava pôde ver a repercussão do assassinato, as TV's que ficavam nas vidraças viradas para a rua só falavam da menina morta, vários repórteres de várias emissoras cobrindo a matéria, tentando mostrar com exclusividade as imagens, exibindo ao mundo o trabalho macabro de quem eles começaram a chamar de Buddha Puzzle (Quebra-cabeça Buda). Quando entrou no escritório deu de cara com todos assistindo ao noticiário, ela tentou ignorar e ir direto para sua mesa, porém Lucy apareceu e veio em sua direção dizendo:

    – Por acaso essa faculdade da menina morta não seria a sua, seria ? – Lucy arregalava os olhos. 
    – É sim.
    – Conhecia a garota morta?
    – Não.
    – Hum, entendi. Mas você escapou em, imagina se você resolve por algum motivo ir para a faculdade mais cedo, poderia ser a sua cabeça. – Lucy sorri de nervoso.
    – Não me admira seus comentários maldosos, sua noção de vida é a mais mesquinha possível. – Amber esbarra em Lucy ao passar por ela. 
    – Nossa, estava brincando sua sem graça.– Ela a segue.
    – Que brincadeira estúpida, sua babaca!

    O chefe veio para apartar.

    – Já chega Lucy, imagina como deve estar a cabeça dela, confusa e com medo.– O chefe repreendia Lucy.
    – Ai, vocês são todos tão dramáticos!– Lucy se afastava dos dois.
    – É de uma vida que estamos falando, deixa ela Lucy!
    – Obrigado Sr. Willians. – Disse Amber.
    – Você consegue trabalhar? Se precisar eu te libero por hoje.
    – NÃO! – ela responde energética –  Eu posso trabalhar, não se preocupe.
    – Tudo bem então.– Ele concorda estranhando a reação da jovem.

    Amber sabia que estar no escritório era mais seguro, mesmo o assassino prometendo não a machucar nada lhe garantiria a segurança, não dava para confiar nas palavras de um serial killer lunático.
    A tarde foi avançando, as pessoas no escritório foram deixando o alvoroço de lado, porém ainda sim olhavam para Amber e comentavam baixinho, era nítido o desconforto que isso causava a jovem, ela estava se sentindo culpada, Amber seria a única que sabia o que estava de fato acontecendo. Decidiu ignorar os olhares, naquele momento para distrair a mente ela só poderia trabalhar, e assim fez.

Na Ilha do Purgatório (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora