Dali a seis dias ela estaria morta.
Lembrar-se de quantos amanheceres lhe restava fazia com que se mantivesse ativa. Normalmente, a essa hora, Sophie estaria sentada no degrau onde acabava o quintal da torre, e, a alguns centímetros do abismo, ela olharia para o mar lá embaixo, observando as águas da maré cheia batendo nas rochas e inundando a região baixa da construção. Porém não hoje. Não quando lhe restava tão pouco tempo para apreciar como era bom estar viva.
O vento zunia pela ilha erma, atravessando pedras e árvores e balançando os cabelos dourados de sua única moradora enquanto ela se apressava escada acima, deixando o vale que parecia um paraíso particular e alcançando o gramado elevado. Corria aos limites de sua resistência, tentando sentir cada órgão trabalhando. Seus pulmões pediam um descanso, a boca urgia-lhe por água e o coração por uma pausa para que voltasse ao ritmo normal. Ela, contudo, gostava quando seus batimentos aceleravam no peito. Mais do que tudo, era o que a fazia se sentir viva ali.
Não era o pior dos lugares. Talvez o mais solitário... Demais, às vezes, mas Sophie estava acostumada. Além do mais, não era como se fosse o único ser vivo da região — alguns animais também habitavam o limitado espaço. Às vezes um ou outro a deixava devido ao curso natural da vida, mas nunca porque se mudavam. Não havia saída.
Ela parou a corrida quando não restavam mais metros à frente. A luz alaranjada do sol poente iluminava o penhasco criando longas sombras desoladoras. Mais um dia chegava ao fim. Sophie olhou para baixo, para as águas cintilantes que, como sempre, convidavam-na a pular no mar e sentir pela primeira vez na vida como seria estar lá, em liberdade.
A alta queda também era uma perspectiva excitante, mas ela sabia que se tentasse essa loucura poderia morrer ainda mais cedo ou ferir-se gravemente, pois havia muitas rochas pontudas em quase todo o arredor. Também não podia tentar de outros pontos, uma vez que altas muralhas cercavam a região, e ela nunca havia descoberto um modo de burlar a segurança.
Mesmo agora, há poucos dias de dizer adeus para a vida como a conhecia, não arriscava tentar pular. Precisava daqueles últimos momentos, aquelas horas preciosas. Tudo além disso era uma massacrante incerteza.
Sophie ouviu o som de passos de um quadrúpede e olhou para trás, avistando Yaji, o gato selvagem macho da ilha. Ele deu uma olhada rápida nela por entre os arbustos, checando se estava bem, e então correu de volta para o vale.
Ela se sentia mais sozinha do que nunca ultimamente, pois até Valentin, que costumava ser seu melhor companheiro, andava distante e infeliz. Passava as tardes se espreguiçando sem qualquer vivacidade, comendo porcarias pelos cantos e ganindo sem rumo. Talvez estivesse doente. Sophie não sabia o que fazer por um cão enfermo, mas, como sempre, descobriria, e sem qualquer ajuda.
Um dos corvos pousou em uma rocha perto de onde Sophie estava e permaneceu ali, contemplando o oceano. Ela costumava ter conversas rápidas e superficiais com os pássaros, os quais preferiam a companhia uns dos outros. Os pequenos e frágeis eram os preferidos dela. No entanto, no geral, as aves pareciam não compreender muito a densidade dos humanos.
Ela olhou de volta para o horizonte azul e respirou fundo. O barulho do mar era o som mais bonito que conhecia. E ainda que não conhecesse muita coisa, Sophie sabia que não importava para onde fosse ou o que mais vivesse, a água salgada serpenteando e batendo nas pedras sempre comporia as notas que mais agradaria a seus ouvidos.
Eu também acho, o corvo lhe respondeu.
Sophie tinha consciência de que as preferências alimentares da espécie dele eram um tanto diferentes, no entanto sorriu e enfiou a mão no bolso para pegar algumas migalhas que mantivera ali para alimentar os pássaros.
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A Garota da Torre
FantasyPresa na Ilha da Torre há dez anos, completamente isolada e sem nenhuma lembrança da vida que teve antes, Sophie sonha em explorar o mundo lá fora. Ela sabe que isso nunca se tornará realidade, no entanto, já que seu aniversário de 17 anos está cheg...