Oh, Beverly✾

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A Sexta finalmente chegou, Halloween. O dia que todos esperavam, tanto pela festa de Lilia - por que festas sempre acabam por ter algo interessante -, e por pedir doces.

Eddie acordou com os gritos de sua mãe, ela naturalmente estava falando mal de algo. Normalmente era de Derry, "cidadezinha amaldiçoada de merda", "por que não me mudei aqui?", "é ruim para o meu ursinho". Mas a mulher já não tinha mais capacidade pra sair da cidade, era muito gorda pra fazer tantos movimentos. Provavelmente teria um ataque cardíaco se tentasse.

Eddie se levantou, escovou os dentes e tomou banho. Vestiu a mesma roupa do dia anterior, teria aula do mesmo jeito que todos os dias, a festa de Lilia era só depois da escola.

Ele havia se arrependido da fantasia que compr.. ganhou por conta da casa. Onde estava com a cabeça? Não queria ser motivo de risadas. Iria sem nenhuma mesmo, e se em algum momento tivesse oportunidade de mostra-la somente para Richard, o faria.

Desceu pro andar de baixo com a mochila nos ombros. Dessa vez, sua mãe lia o jornal sentada na poltrona.

Na manchete de frente do jornal, Eddie leu "mulher é assassinada brutalmente", e já ia desviar o olhar, odiava essas notícias. Mas se apavorou ao ver a foto de quem era a tal mulher.

Era a velha de ontem, a esquisitona das cartas que o mandou correr por que "ele" estava vindo. Aquela senhora que sabia o seu nome.

Será que "ele" foi me procurar e a pegou? -Ele afastou esse pensamento tão rápido quanto ele veio, sacudindo a cabeça. Não tinha como nem por quê.

Assassinatos acontecem. Esse tal "ele", não poderia ter nada contra Eddie. Ele nunca fez mal a ninguém, nada que pudesse deixar com rancor a ponto de querer o matar.

Aquela velha macumbeira sabia seu nome, por que ela sabia seu nome? Ela o mandou correr e depois morreu? Essas coisas martelavam na cabeça do garoto.

Tentou não pensar e ia sair de casa, mas sua mãe o chamou.

— Oi querido, mamãe comprou uma fantasia pra você. Vi que você não usou o dinheiro que te dei pra fantasia então acho que você não comprou, certo?

— Certo mamãe. Que fantasia a senhora comprou pra mim? — Ela apontou lentamente pra uma sacola no sofá. Ele andou até lá e a abriu, tinha uma fantasia de ursinho pooh.

— Gostou? — A expectativa no rosto dela.. ele não teve como dizer que não, não queria decepciona-la.

— Adorei! — Deu um beijo na bochecha dela. — Agora vou pra escola, tchauzinho!

Ele foi andando até a escola, como em todos os dias. Não conseguia acreditar que teria de se vestir de ursinho pooh.

— Eds! — Richie agora andava ao seu lado. As vezes ele o encontrava no caminho até a escola. — Comprou sua fantasia surpresa?

— Não. — Mentiu. — Na verdade minha mãe comprou outra, uma de ursinho pooh. — Falou envergonhado.

— Poxa, a sra K. não me disse nada de fantasia de ursinho pooh enquanto eu comia ela ontem. — Eddie socou seu ombro. — Agora eu fiquei curioso, que porra era pra ser a sua fantasia?

— Eu ia usar ela mais pra você.. — Murmurou pensando que o outro não tinha escutado. — Era surpresa, e agora você nunca vai saber.

— Pode ter certeza que um dia eu vou, Eddie. — Aquela expressão de raiva de ontem surgiu novamente no seu rosto, mas rapidamente desapareceu.

— Você tá meio estranho, Richie. Tá tudo bem? — Edward suspirou. — Parece que fica zangado do nada.

— É só o meu pai, tá tudo bem.. você sabe como ele é sobre você. E estar perto de você me lembra disso. — O quase cacheado passou o braço sobre os ombros do amigo enquanto andavam. — Ele acha que eu sou viado e apaixonado por ti. O que não é verdade, eu já disse pra ele que somos só amigos.

Eddie sentiu uma pontada no coração, aquilo doeu, mas era verdade. São só amigos.

Ele ficou preocupado quando notou um corte fino no rosto de Richie.

— Ele te machucou? — Eddie parou de andar, passando a mão pelo machucado no rosto do outro. — Tá doendo?

— Eu to bem, de verdade. Ele sempre me bate, tudo bem. Acostumei. — Sorriu, tirando o braço de seus ombros e entrelaçando seus dedos nos de Eddie. — Vamos logo pra escola.

Eddie reparou mais no rosto e no corpo de Richie e notou outras coisas além do quão bonito ele era.

Seus punhos estavam vermelhos, ele provavelmente tentou revidar, mas seu pai Eric é mais forte. Sua camisa florida tinha uma mancha de sangue.

Eddie levantou a camisa dele e viu sua pele roxa e cortada, seu pai havia o socado ou chutado.. algo que o machucou.

— Sai de casa, por favor. Vem morar comigo, eu te escondo em algum lugar. Não quero mais que seu pai te machuque. — Eddie implorou olhando nos olhos de Richie, que abaixou a própria camisa.

— Desculpa, meu Eds. Eu não posso.

— Por que nã- — Richard o interrompeu.

— Não dá, Eddie. — Suspirou soltando a mão do menor e andando a frente dele, o deixando parado pra trás.

•••

Beverly estava fumando sozinha no banheiro da escola, como de costume. Sentada na tampa do vaso enquanto via as paredes riscadas. O banheiro fedia mas era o único lugar que ela conseguia ficar em paz.

Ouviu a porta do banheiro se abrir e ser trancada por dentro em seguida.

Alguns segundos depois, todas as cabines foram abertas, verificando se não tinha mais ninguém. Bev ouviu o barulho das portas sendo batidas quando foram abertas.

Até que alguém bateu na porta da cabine em que ela estava.

— Que foi porra? — Ela perguntou, apagando o cigarro na parede do cubículo. Ninguém respondeu, só batidas mais fortes na porta.

Ela revirou os olhos. — Não vou abrir se não me disser quem é. — Cruzou os braços esperando resposta, batendo o pé freneticamente no chão. Ela já estava ficando com medo. Odiava esse sentimento.

Um papel amassado deslizou devagar por debaixo da porta da cabine. Ela reconheceu os dedos da mão que passou ali, assim como reconheceu a letra no papel.

Estava escrito: Sou eu, idiota.

Beverly sorriu, ficando em pé e abrindo a porta.

— Por que não disse que era vo- — Seu sorriso se desfez e suas palavras morreram na boca, por uma faca que atravessou sua garganta, da parte da frente até sair na nuca.

Ela não conseguiu gritar. Quando a faca foi brutalmente retirada, ela caiu no chão com as mãos no pescoço, talvez tentando parar o sangramento. A sensação era horrível, como engasgar com o próprio sangue mas mil vezes pior.

Se deslizou até os pés de quem havia feito aquilo, passando as mãos ensanguentadas pelos tênis brancos.

— P-por que..? — Conseguiu dizer, tão baixo e esganiçado que mal foi escutada. Seus olhos encontraram os do assasino, que ela pensou ser seu amigo. Ela morreu, segundos depois.

— Por que eu precisei, Bev.

✾the dark side of red✾Onde histórias criam vida. Descubra agora