Primeiro Contato

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                      Anwyn Riverwall

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                      Anwyn Riverwall

    Eu estava de pé em frente à grande janela do quarto ao que fui realocada. Era muito maior que o outro. Com paredes brancas e o chão de mármore da mesma cor, assim como no resto do palácio. Tinha uma cama de casal enorme, uma penteadeira, um closet espaçoso, além de uma estante de livros e um magnífico piano. Havia também uma varanda com vista para o gigantesco jardim de perder de vista. Sabia que o sol invadiria aquele quarto todas as manhãs e durante a noite a luz da lua daria a graça de aparecer para mim.
    O ar escapou de meus pulmões novamente e meu tórax foi espremido para que o espartilho fosse fechado. As minhas criadas eram maravilhosas, apesar de não achar que precisasse de uma. Já com o vestido, contemplei minha imagem no espelho.
    —Por mim, a senhorita nem precisaria de maquiagem. Sua pele é maravilhosa. -uma delas, chamada Elle, me elogiou.
    —Nunca usei, talvez agradasse o rei se o fizesse. -dei de ombros.
    —Ficaria deslumbrante. Não acho que nenhuma daquelas moças conseguiriam supera-la. -sorriu com doçura e percebi sinceridade em sua voz.
    —Eu prefiro ficar mais natural. Mesmo sendo um jantar noturno, não quero passar a impressão errada.
    —Como queira.
    Escutei reclamações vindo do corredor e a porta foi aberta violentamente.
    —Elle, você esqueceu a tiara! -uma garota de cabelos ruivos esbravejou.
    —Desculpe, Jude. Eu não conseguiria trazer os dois de uma vez. -Ele se encolheu atrás de mim.
    —Anwyn Riverwall, prazer. Você é Jude, pelo que eu ouvi. -me apresentei estendendo a mão.
    Ela a olhou por um instante e se aproximou de mim, me abraçando em seguida.
    —É um prazer conhecê-la. Ouvi muito sobre você durante o dia todo. -percebi que não estava sendo irônica, apenas amigável. —Parece que as damas precisam segurar seus maridos.
    —Não quero o marido de ninguém.
    —Não cabe a você esse papel. Os homens que precisam querer...ah, essa sociedade machista...acham que podem ver algo bonito e tomá-lo para si próprios. Trágico, não?
    —Muito...
    —Ah, olhe só pra você! -me empurrou para frente do espelho. —Eu sou muito boa mesmo!
    —Você que o fez?
    —Sim, quer dizer, eu desenhei, as criadas que costuraram, mas não é uma obra de arte?
    De fato, o vestido era espetacular. Um tom de azul céu, com rendas na parte de cima, onde os ombros estavam a mostra. Era justo até a cintura, onde a parte de baixo caía em um degradê perfeito para um tom de azul mais escuro. Nas pequenas tiras da manga, tinham diversas pedrinhas brilhantes, que ao movimento pareciam estrelas no céu. Meus cabelos estavam soltos, com a parte da frente presa atrás da cabeça por uma presilha discreta. Jude colocou então, a fina tiara de cristais.
    —Está pronta. -ela afirmou.
    —Muito obrigada. -sorri.
    —Acostume-se com minha presença. A partir de hoje estarei responsável por seu estilo.
    Fui até o closet e peguei uma capa de veludo lilás, coloquei o capuz e escrevi um bilhete, pedindo para que Ahren viesse me buscar, como o combinado.
    Ele não demorou muito tempo para chegar e estava lindo. Seu terno azul marinho tinha detalhes em dourado o que o dava um ar de realeza. Me olhou por um momento, tentando falar algo, mas nada saía de sua boca.
    —Obrigada. -brinquei fazendo uma reverência. —Vamos?
    —P-por favor! -apressou-se em me estender o braço e o tomei.
    Finalmente, depois de passar por muitos corredores e descer escadas, chegamos a sala de jantar. Tinha várias mesas grandes espalhadas por todo o cômodo. Assim que fomos anunciados, os membros da corte voltaram sua atenção para nós. Ahren puxou o colarinho da camisa e sorriu, fiz o mesmo. Passei os olhos pelo salão a procura do rosto gentil do rei para me reconfortar, porém ele não estava lá. Mas ele estava. A cópia futurística de Alaín estava lá. Mas o nome dele era Dorian e eu tinha que chamá-lo assim a partir daquele momento. Não pude segurar a surpresa ao vê-lo. Logo lembranças do passado invadiram minha cabeça como uma onda e senti um nó na garganta.
    —Está tudo bem, Anwyn? -Ahren me trouxe de volta à realidade.
    —Não consigo fazer isso. -apertei os lábios.
    —Você não pode desistir, já chegamos até aqui.
    Concordei com a cabeça.
    Os olhos do príncipe ainda estavam em mim, escuros. Estava com um ar de interrogação pairando em seu olhar.
    -O REI! -o vassalo anunciou e saímos do caminho, cumprimentando-o assim que pisou no salão.
    Charles sorriu para mim e nos conduziu para a mesa dele. Fiquei surpresa ao saber que ficaria  ao seu lado, porém um pouco incomodada, pois o príncipe estaria do outro.
    Servimos nosso jantar e antes mesmo que eu pudesse colocar uma colher em minha boca, o Rei Charles se dirigiu a mim.
    —Está magnifica, Senhorita Riverwall.
    —Obrigada, Majestade. E pode me chamar de Anwyn.
    Dorian mexia em sua comida com os talheres, mas estava atento a nossa conversa.
    —Então, em que lugar dos EUA você nasceu? -o Rei continuou.
    —Oh, eu não nasci aqui e sim na Escócia, em Inverness. -olhei para o príncipe, com a esperança de um sinal de reconhecimento das minhas palavras, porém ele continuou impassível. —Com vinte anos fui à Inglaterra com meus pais, moramos em Londres por muitos anos.
    —Hum, interessante. O clã Mackenzie é escocês como você bem sabe...-Charles me serviu de uma taça de vinho. —O que fez esse tempo todo na vila dos elfos?
    Não podia dizer que era uma guerreira que caçava humanos, tive que mentir.
    —Eu trabalhava como...como vocês chamam aqui?...Oh, sim, médica. Mas também dava aulas de bastante coisa. Sou atuante em muitas áreas.
    —Sim...me permite perguntar sua idade?
    —Tenho 325 anos. -respondi orgulhosa.
    O rei arregalou os olhos para o prato.
    —É bastante coisa. Tenho certeza que sabe o bastante. Isso facilita minha indicação de cargo para você.
    —E o que o senhor tem em mente? -bebi um gole do vinho.
    —Quero que seja tutora do meu filho.
    Quase engasguei e ouvi o barulho de talher arranhando um prato, podia apostar que era do príncipe.
    —Desculpe, majestade, mas não sei se estou entendendo...não sou qualificada para isso...
    —Quem sabe mais sobre o mundo que alguém que viveu mais de trezentos anos? A senhorita sabe mais que todos nós juntos. Quero que Dorian saiba das coisas essenciais.
    —Se for da vontade de sua majestade, então farei. -olhei para frente, tentando controlar minha respiração.
    —Sim, com isso também será responsável por sua agenda, com compromissos e coisas do tipo. -o rei sorriu.
    -Aaron já cuida disso. -Dorian disse pela primeira vez.
    Sua voz era grave, um pouco rouca com um tom aveludado. Senti um arrepio correr pela minha espinha, não pude deixar de encara-lo, porém o mesmo continuava olhando para o prato, esperando com expectativa a resposta do pai.
     -Aaron continuará ao seu lado, de fato. Os dois irão dividir as tarefas já que você se tornou uma máquina de problemas. Preciso de alguém que tenha punho para impedi-lo de fazer besteira. E Anwyn também me auxiliará nas questões estratégicas.
    Com um movimento de cabeça concordei com as tarefas do rei. Notei o rosto vermelho de Dorian e não pude deixar de me sentir mal por ele.
    Depois do jantar nos reunimos em uma espécie de auditório, onde o rei daria alguns pronunciamentos. Sentamos em nossas cadeiras e ouvimos tudo com atenção.
    —Agora que os avisos foram repassados, quero apresentar os novos integrantes da corte: Ahren e Anwyn. Eles são metade elfos, então não precisam se alarmar ou tratá-los com diferença, pois são iguais a todos nós -o soberano apontou para mim e meu amigo. -Mudando de assunto, queria parabenizar o capitão Eric Cooper, que está de volta de suas núpcias com sua bela esposa Charlotte e voltou a rotina esta tarde. Parabéns, meu amigo.
    Ele se referia ao homem que nos capturou. Ao lado dele uma jovem garota sorria timidamente, era a esposa. O capitão levantou a taça, que a julgar sua postura, não tinha sido a primeira.
    Ahren e eu levantamos e sorrimos para todos os presentes.
    —Quero chamá-los para um número. -o rei sorriu.
    —Oh, não, eu peço...-ri timidamente. —Não preparei nada.
    —Soube que elfos tem uma voz angelical, ótimos cantores. Dê-nos a honra de ouvi-los.
    —Claro, majestade. -Ahren sorriu para mim e me conduziu para a frente do palco.
    Ele pegou uma flauta que estava próxima e começou uma melodia celta. Não tinha nada preparado para aquele momento, por isso resolvi improvisar o que vinha em minha mente. Passei os olhos pelo salão e me deparei com Dorian me olhando em um canto, com os braços cruzados e um pé apoiado na parede.
    Fechei os olhos e pensei em Alaín. Precisava fazer isso por ele, cantá-lo, mesmo que ninguém sequer tivesse o conhecido.
    Depois da apresentação, os aplausos me despertaram do transe e o rei anunciou o início da noite, onde os nobres se juntaram em pares e começaram a dançar uma música, em pares. Ahren e eu ficamos longe da multidão, olhando os festejos. O rei se retirou cedo da festa e foi para seus aposentos.
    —Sobreviveremos a primeira noite? -indagou.
    —Depende de seu gosto musical.
    —A música parece boa. Devíamos dançar...nos misturar...
    Apertei os olhos, sorrindo para ele.
    —A dois metros a sua esquerda tem uma jovem que não tira os olhos de você. Eu a chamaria para dançar...ou vai querer ficar a noite toda olhando pra minha cara?
    Ele olhou na direção que eu indiquei, discretamente.
    —Ela é bonita.
    —E está desesperada para dançar. Pode ir convidá-la ou eu a trarei aqui. -o empurrei de leve.
    Ele se distanciou e foi em direção a ela. Continuei no meu lugar e peguei uma taça de vinho quando o garçom passou por mim.
    Dorian estava no mesmo lugar de antes, atento a movimentação na pista de dança, com o rosto sério, como sempre. Fiquei com pena dele, podia ver as garotas cochichando entre si e olhando para ele sorrindo, outras passavam erguendo a cabeça graciosamente enquanto passavam pelo mesmo, mas o jovem príncipe parecia impassível.
    Percebi que ele me olhava desde o início do jantar e não custaria nada me entreter com ele, já que a partir daquele dia trabalharíamos juntos. Não medi esforços em me esgueirar entre os humanos já embriagados com suas taças cheias. Finalmente cheguei próximo a ele e o imitei, observando os dançarinos.
    Pelo canto do olho tentei desvendar sua reação a minha proximidade, mas nada aconteceu. Sem que eu esperasse, Jude apareceu no outro lado do salão e ergueu a mão, acenando para mim, animadamente. Levantei um pouco a palma e soltei um sorrisinho, um convite para que ela se aproximasse.
    —Aproveitando a noite?
    —Não é bem o que estou acostumada, mas é bem agradável. É admirável o modo como os humanos socializam. -respondi com um sorriso discreto.
    —Pode se acostumar. Essas comemorações acontecem com frequência.
    —Não será difícil.
    Levei a taça de vinho até a boca, mas Jude me deteve, colocando a ponta dos dedos sobre a borda do copo.
    —Se eu fosse você não beberia tanto nas festas. Não são todos que vem com boas intenções.
    Engoli seco, agradecida pelo aviso. Coloquei a bebida em cima da mesa próxima a nós.
    —Obrigada. -segurei suas mãos por um breve momento. —Você não vai dançar?
    -Estou esperando meu noivo, ele foi no quarto colocar os sapatos de dança, mas está atrasado...Oh, lá está ele. -ela apontou para um homem alto de cabelos negros e aparência angelical. -Eu tenho que ir. Divirta-se na sua primeira festa, Anwyn.
    A perdi de vista no meio da multidão. Passei a mão pelo vestido, com a impressão que estava amassado e percebi que Dorian estava ali o tempo inteiro. Soltei um pigarro e sem olhar para ele, comecei:
    —O senhor dança, alteza?
    Ele demorou um pouco para responder.
    —...não. Eu não vejo como uma atividade tão trivial pode despertar tanto interesse das massas. Eles mal dançam, apenas vejo suas bocas se mexendo, suas vozes misturando-se desastrosamente com a melodia. -falou, apertando os olhos às vezes, podia ser uma mania ou quem sabe, seu charme.
    —O objetivo é justamente socializar.
    O ouvi segurando o riso.
    —Eu estava brincando com você.
    —Oh, sim. Então...
    —Com licença, senhorita, eu preciso me recolher em meus aposentos. Tenha uma noite animada.
    Ainda com o queixo caído, fiz uma reverência e fiquei observando-o partir do salão.
    A personalidade dele era semelhante à de Alaín, um humor nada convencional. Aquela foi a deixa para que minha noite terminasse.
    Me apressei em sair do salão e andei pelos corredores, tentando lembrar onde, naquele labirinto, meu quarto estava. Foi cruzando de corredor em corredor que senti algo puxar meu braço. Me encontrei com o corpo colado contra a parede.
    —Não terminamos nossa conversa na floresta...-o Capitão Cooper sorriu de modo doentio, com o hálito forte de vinho.
    —Me deixe em paz! -tentei me desvencilhar de suas garras, mas ele me pôs de costas para ele.
    No calor do momento minha mão encostou em algo, que não pensei duas vezes antes de acertá-lo. Ele caiu no chão, com o sangue começando a escorrer de sua testa. Me afastei e corri pelos becos que apareciam na minha frente, quando vi um rosto conhecido.
    —Elle!
    —Senhorita Anwyn. Em que posso ajudar?
    —Eu...-tentei recuperar o fôlego. —Eu me perdi.
    —Aqui, venha, vou levá-la a seu quarto. -me estendeu a mão e eu a tomei.
    Chegamos no quarto e ela me ajudou a tirar o vestido. Não consegui abrir minha boca, ainda estava muito assustada. Só queria tomar um banho e tirar qualquer vestígio daquele homem de mim. Passei longos minutos na banheira, notando as marcas de dedos nos meus punhos. Depois vesti uma camisola fina e deitei na cama, olhando a lua no topo de céu, pela janela. Senti uma lágrima rolar pela minha bochecha. E se aquilo não tivesse um propósito? E se eu estivesse passando por tudo aquilo em vão? Tinha sido um erro? Sentia saudades da minha vila, da minha casa de onde tinha a impressão de que nunca deveria ter saído.
    Ouvi batidas na porta. Sequei o rosto e sentei na cama.
    —Entra.
    Ahren abriu a porta, já estava de pijama. Quando me viu, parecia um pouco constrangido. Levantei e peguei o robe.
    —Não consegui dormir. Você também não?
    —Não. -respondi. —É diferente de casa, não é?
    —Sim...
    —Quer dormir aqui comigo? Acho que assim, ficaremos mais à vontade.
    Ele sorriu e se deitou na cama, fiz o mesmo. Ficamos um de frente para o outro, nos olhando.
    —Vai ficar tudo bem, Ahren. -falei por fim, para acalmá-lo, mas aquelas palavras eram para mim mesma.
    Fechei os olhos com uma fagulha de esperança de que, quando acordasse, tudo voltasse ao normal. Estaríamos na vila e Teyas viria nos acordar para o desjejum de frente para a montanha, onde conversaríamos amenidades e passaríamos o dia em completa paz.

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