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Caleb Walker era o nome do jovem desconhecido que, em meros quinze minutos, estragou o dia de Katniss. O nome ressoava na mente da rapariga a partir do momento em que ele o pronunciara.

Walker, Walker, Walker...

Não lhe soava estranho, era-lhe familiar. Tal como o seu rosto, mas parecia uma memória encravada lá nalguma gaveta do subconsciente.

Havia, entretanto, se acalmado e estavam os dois sentados lado a lado, embora com algum afastamento, na relva macia do Bridge Park. Ao longe, quase que em surdina, conseguiam ouvir a melódica música do Jane's Carousel misturada com a euforia das crianças. Katniss adorava o carrossel, tinha grandes lembranças dela e da irmã lá; era quase como que um porto seguro para si.

— Vamos lá recapitular. — Ela pediu enquanto que admirava os tons dourados que o céu agora ganhara. — Queres vingar-te de um homem que fez um grande mal à tua família e, portanto, andaste a seguir-me para saberes, através da minha rotina, se sou a pessoa certa para ser o teu álibi. — Fez aspas com as mãos. — Para além disso, tens a certeza absoluta de que vou aceitar por causa da Sophia. — Fez uma pausa, quase se engasgando e permitiu-se olhar o rosto do rapaz. — Isto é uma loucura. — admitiu e viu-o olhar para ela durante uns segundos e depois a desviar para a ponte. — No entanto, quero ouvir as tuas explicações. Que grande mal é este que vos causaram, porque sou eu a indicada e porquê falares da minha irmã?

— Eu nem sei bem por onde começar, tenho noção de toda esta loucura, mas sinto que tenho de fazer isto para me livrar dos fantasmas. — O jovem confessou e ela esteve quase para lhe dizer que ele precisava era de um psicólogo, mas manteve a boca calada e deixou-o prosseguir. — Eu não sei quem este homem é. — Revelou e Katniss franziu a testa formando umas pequenas rugas. — Só o vi uma vez e foi tão rápido. No entanto, lembro-me dele como se fosse há uns segundos atrás. Estava dentro de um carro preto, não vi a matrícula, não sei precisar a sua altura, mas diria que era alto; cabelo escuro, mais longo que o meu e penteado meticulosamente para trás; olhos claros, se não estou em erro, e tinha um cigarro na boca. Não estava aceso, disso tenho a certeza. — E fez uma longa pausa.

— Continua. — Ela incentivou. Ainda o olhava, embora ele se recusasse a retribuir o gesto.

Tinha uns olhos engraçados, de cor âmbar misturados com um tom esverdeado, que pareciam que há muito que perdiam o brilho tornando-se, assim, desbotados. Algumas sardas pendiam-lhe nas maças do rosto e no cano do nariz. Kat conseguiu também notar-lhe uma ligeira covinha no canto da boca, quase impercetível enquanto falava.

— Tudo aconteceu fez há pouco tempo dois anos, no aniversário do meu irmão mais novo, Thomas. Os meus pais tinham alugado o espaço num restaurante e ainda só lá estávamos nós, a família, a empregada D. Mary Jane que tanto adorávamos, a babysitter e os funcionários do estabelecimento, é claro, incluindo o dono que... — Katniss interrompeu o rapaz bruscamente.

— A babysitter — falou ela, um pouco mais alto do que esperava e, depois, a voz saiu-lhe de fininho afligida. — Qual era o seu nome? — Mas Caleb não respondeu e essa foi a chave para a gaveta abrir.

— Sabes, a vida é uma coisa engraçada. Bastam horas, minutos, às vezes, até segundos, para dar uma reviravolta de tal tamanho que nos deixa desamparados. Claro que também há reviravoltas boas, mas ali o Senhor que nos criou achou que a minha não era digna dessas. — Katniss pensou em ripostar, mas o pensamento foi tão rápido como veio; estava concentrada noutra informação e apercebeu-se que tinha algumas lágrimas prontas a fugir-lhe. Virou a rosto para o lado. Estava a suar. O mundo à roda. — Faltava uma hora para os convidados chegarem quando aconteceu. A minha mãe é... era muito stressada nestas ocasiões, esquecia-se sempre de alguma coisa importante: convidar alguém, o bolo; neste caso foi o presente. Pediu-me para que fosse a casa buscá-lo e eu aceitei. Precisava de sair um bocado, fumar um cigarro, deixei de fumar entretanto. — Viu-se na obrigação de dizer, mais para si do que para ela. — Estar um pouco longe daquela algazarra. Nunca gostara muito destes festejos. Agora sinto falta deles. — Suspirou. — Então, eu saí. E a babysitter passou por mim, sorriu-me. Pensei que ia dizer alguma coisa, mas não, nada. Apenas um sorriso. — Fez uma pausa e apercebeu-se que Katniss chorava silenciosamente a seu lado. — Era uma boa rapariga, a Sophia. Não a conhecia muito bem, eu já andava na universidade e não me cruzava muitas vezes com ela. Sabia quem era, de onde vinha, mas nunca falámos muito. Achava-a simpática e lembro-me de, na altura, ter o pensamento vago que a admirava enquanto pessoa, mesmo tendo uns pais tão ricos recusava-se a usar do seu dinheiro e queria ganhar o dela. Acho que ela era isso mesmo, admirável. — Calou-se momentaneamente. — Ia dizer que lamento, mas acho que já estás farta de ouvir isso, tal como eu. — Outra pausa. — Queres que continue? — A voz soou baixa e Katniss abanou afirmativamente a cabeça. — Então eu estava a sair e a minha cabeça estava noutro sítio qualquer, esbarrei neste homem cujo nome não merece ser pronunciado.

Almas CondenadasOnde histórias criam vida. Descubra agora