O Garoto

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Henry era um garoto jovem, de dezesseis anos de idade.

Era certamente hiperativo, dado o fato de que não conseguia parar quieto. E também apresentava uma série de transtornos, embora sempre tenha rejeitado qualquer alternativa de tratamento.

De qualquer forma, ele era apenas ele, e não seria um punhado de pílulas que o tiraria do poço no qual se encontrava...

Sua mente trabalhava de uma forma incansavelmente acelerada, e Henry sempre teve as melhores notas no colégio. Henry era um gênio e líder nato, com uma extrema facilidade de aprendizado. 

Mas como todo gênio, sua mente era doente. 

Apresentava um combo poderoso que drenava completamente suas forças, tanto físicas quanto psicológicas, e esse combo era formado por um misto inacreditável de: Depressão, Transtorno de Ansiedade, Hiperatividade, Transtorno de Bipolaridade e o famoso Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). 

Henry permaneceu no auge de sua vida acadêmica e familiar durante 12 anos, pois aos treze uma série de acontecimentos transformou o gênio promissor em um amontoado de melancolia, dor, tristeza e lágrimas.

Desde cedo Henry nunca se preocupou em gostar de meninas, ou seque beijá-las.

Nunca pareceu uma necessidade para ele, mas ele estava cada vez mais convencido de que era algo necessário. E seus colegas não pareciam colaborar, já que o pressionavam para perder o famoso "BV". 

Após muitos questionamentos, fofocas, intrigas e um pequeno mal-entendido, todos chegaram a uma conclusão que fazia sentido e parecia completamente assertiva.

Concluíram que Henry só poderia ser gay. Afinal de contas, que outra explicação poderia ser dada ? Por que raios Henry não se interessava por garotas ?  

A verdade ? Henry estava perdido em seus pensamentos e no poço que estava prestes a cair.

Todos começaram a ignorá-lo, afinal de contas não importava o quanto ele tentasse se explicar ou se defender, todos continuavam com a mesma conclusão, a de que Henry só poderia ser gay.

Isso incomodava muito o garoto de 12 anos, que não sabia nem o que vestir pra sair de casa, mas era obrigado a saber se gostava de garotas ou garotos.

Após uma longa pressão, resolveu ir atrás de um cara e analisar se daria certo ficar com ele.

Henry analisou inúmeros perfis no facebook, e passou horas escolhendo a pessoa perfeita para tentar algo, até que passou por um perfil que lhe chamou a atenção...

Era o tal de Gabriel Mendes, o garoto popular, bissexual, gato e amável de quem todos falavam.

Henry não perdeu tempo e logo enviou a solicitação para o garoto, que minutos depois já havia aceitado. E naquele dia Henry e o garoto popular passaram horas conversando sobre um pouco de tudo.

Suas conversas eram desconexas e confusas, algo a se esperar de um adolescente que recém havia completado 13 anos (desculpem, esqueci de mencionar esse acontecimento) que estava de papo com um cara de 17 (sim, Gabriel tinha 17 anos).

Papo vai e papo vem, saíram as primeiras nudes, os primeiros emojis de coração e as famosas três palavras tão almejadas por jovens com hormônios a flor da pele...

"Eu te amo", disse o pequeno Henry para Gabriel, que imediatamente respondeu com um "Eu também te amo."

Tudo aquilo parecia completamente falso e forçado, já que eram apenas amigos virtuais (embora vivessem na mesma cidade) e se falavam a poucos dias.

Mas acreditem, o sentimento era real (isso mesmo, eu coloquei no passado pois, como devem imaginar, vai acontecer alguma desgraça).

Finalmente resolveram marcar um encontro, e decidiram que o Gabrielzinho (Nunca vou entender essa mania de garotos colocarem seus nomes no diminutivo nos próprios órgãos sexuais) deveria receber um trato.

Finalmente chegou o dia, e Henry cometeu a tolice de esquecer seu celular sobre a cama quando saiu para o colégio.

Sim, seu celular com o histórico do google cheio de sites de pornô gay, sem senha, com acesso fácil a seus pais evangélicos fervorosos e frequentadores da Assembléia de Deus.

Henry curtiu o seu dia no colégio, e como estava sem seu celular, não sabia onde e quando encontrar o Gabriel, portanto o encontro caiu por terra.

E quando chegou em casa...

Sua mãe estava com uma cara de desgosto e choro na sala de jantar, o aguardando para o almoço. Já seu pai estava irritado no quarto e preferiu nem dar as caras...

A Senhora letícia (mãe de Henry) contou ao filho que havia encontrado o celular dele sob a cama, e deu uma vasculhada nele...

E os dois foram para o quarto conversar:

- Filho, você acessou esses sites ? - Perguntou a mãe, mostrando o histórico de navegação do filho no celular.

-Sim. - Respondeu Henry, com a voz falhando e o coração acelerado de medo.

- Você sabe o que eu seu pai achamos de uma aberração dessas, não sabe ? - Perguntou a mãe, e prosseguiu:

- Eu e seu pai decidimos retirar seu celular, e você não vai mais conversar com esse tal de "Gabriel".

Henry ficou extremamente vermelho e com vergonha, já que não esperava que sua mãe tivesse descoberto as mensagens que ele trocava com gabriel no messenger.

Na realidade, Letícia havia descoberto de outra forma...

No mesmo dia, um pouco mais cedo, Gabriel estava se sentindo incomodado com o possível bolo que estava levando, e resolveu enviar uma série de mensagens (um tanto quanto provocativas e indecentes) para o celular de Henry, e foi nessas mensagens que sua mãe resolveu vasculhar o celular do pobre garoto...

A partir desse dia, Henry ficou sem acesso a qualquer rede social, seu perfil no facebook foi desativado por seus pais, ele não podia mais ir sozinho para o colégio, já que seus pais decidiram levá-lo e buscá-lo todos os dias, e seu contato com Gabriel foi zero por quase um ano...

Henry foi levado ao psicólogo, já que seus pais buscavam a famosa "cura gay", e Henry mentiu por um ano para aparentar algum tipo de progresso com o "tratamento".

Henry viu sua cabeça virar um enorme caldo de sensações, emoções e sentimentos reprimidos, problemas nos relacionamentos familiares, falta de acesso as redes sociais e viu seu círculo de amigos que era formado por três pessoas, desaparecer completamente...

Henry ficou nesse estado até os seus 15 anos, quando finalmente recuperou seu direito de conversar com pessoas, sair de casa, e ter um celular.

Mas não podia fazer o principal, que era se assumir gay.

Seus colegas haviam acertado não é mesmo ?

Henry gostava de garotos, mas agora que havia sido "curado", precisaria manter esse disfarce.

Henry não aguentou a pressão de tanta repressão vinda de si mesmo, e simplesmente começou a beber, se mutilar, transar com desconhecidos, e recusou o tratamento proposto pelo psiquiatra.

Em palavras resumidas, Henry se suicidou no dia 19 de Dezembro de 2019, aos dezesseis anos. 

Eu sei, o início, o meio e o fim dessa história parecem coisas completamente desconexas.

Mas nossas vidas são desconexas, e tudo que fazemos e sentimos é baseado em conceitos confusos e complexos.

Mas a história não termina com a morte de Henry, muito pelo contrário, ela apenas se inicia com seu suicídio.


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