A Canoa

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O pequeno Henry havia tirado a própria vida.

O que exatamente isto significava ?

Bom, iremos descobrir agora...

Entre duas árvores brancas, há um rio. Neste rio, flui o futuro dos sonhadores, enquanto que sob os galhos das árvores, pendem sete corvos: medo, angústia, solidão, dor, ódio, infelicidade e maldição.

Esses corvos passam o dia todo aguardando almas boas e esperançosas, quase que selecionando qual seria o melhor sonho a ser realizado por alguém, e então ?

Eles o pegam, o levam para a margem e o estraçalham. 

O rio deságua em muitos pontos diferentes, e há uma parcela de pessoas destinadas a ir para cada um desses lugares.

A grande maioria das almas se perde no grande oceano da morte.

Um ou outro sortudo vaga até terras de sorte, prestígio e redenção.

Outros são arrastados para o vale da perdição...

E há ainda, o único que não foi para lugar algum, e mesmo assim chegou a algum lugar.

Não importa qual a sua religião, ou se simplesmente não acredita em qualquer força sobrenatural. A verdade é apenas uma: Ninguém se lembra deste lugar.

Nele não há nada, ou ao menos não deveria haver, já que este lugar não existe.

Mas já que mesmo não existindo ele insiste em se manifestar, narraremos a jornada do garoto Henry até este vale (Aliás, passarei a referi-lo como "limbo").

...

Henry acordou e se viu em um local estranho. 

Isso sem falar no enjoo que estava sentindo, e um cheiro familiar, o cheiro do mar.

Com uma notória expressão que revelava a mais pura incredulidade, levantou-se e se apoiou no que parecia ser a borda de uma canoa.

Olhou em volta, mas não enxergava nada.

Mas no meio do nada havia algo, embora não deixasse de ser o nada.

Notou que estava em pleno mar aberto. Um mar negro, que refletia a luz das estrelas sob o firmamento, igualmente negro.

Henry olhou ao redor e não encontrou nada além da água.

Então gritou:

- Há alguém aqui ?

E nada aconteceu.

Henry tentou bater no próprio rosto, tentar voltar a dormir, ou qualquer outra coisa que o tirasse daquele transe maluco, mas nada acontecia.

Até que resolveu olhar para fora da canoa.

E se jogou...

Henry agora tinha mais dois acontecimentos para processar.

O primeiro deles era o fato de que ele não estava em um sonho, não estava em transe, ou sob o efeito de qualquer droga.

O segundo, era o fato de que o "oceano negro" era extremamente raso.

Levantando-se, notou que a água batia apenas em seu tornozelo, e agora se questionava como a canoa conseguiu o levar por tanto tempo naquela profundidade.

Aliás, falando em canoa...

Voltou-se para trás para tentar adentrar nela novamente e, não imaginariam a surpresa do garoto ao perceber que ela já havia sumido.

Olhou ao redor e não a encontrou, até que ao forçar a vista mais ao norte, percebeu a pequena silhueta da canoa de madeira navegando ao horizonte.

E agora ele estava por conta.

Andou por horas, ou ao menos entendeu que andou por horas, já que era impossível ter qualquer noção de tempo num lugar como aquele.

Já não tinha qualquer senso de direção, já que o céu e o mar eram igualmente escuros, numa escuridão tão forte e profunda que quase podia ser tocada.

E igualmente ao céu, o mar ostentava milhares e milhares de estrelas, reflexo do firmamento.

Henry se desesperou, e começou a chorar.

Seu coração parecia bater acelerado, mas quando levou a mão ao peito, percebeu que jã não havia nada batendo ali dentro.

Olhou para os pulsos, e começou a sentir uma enorme dor, e os cortes que o levaram a morte se abriram, jorrando inesgotavelmente litros e litros do líquido escarlate.

Sangue.

O oceano agora mudara de cor.

Era púrpura, e as estrelas já começavam a se apagar.

Henry desesperou-se, já que agora não enxergava mais nada.

Henry simplesmente se encolheu, e agonizou por um longo período.

Podem ter sido dias, meses, ou até anos.

O sangue que ainda não havia parado de jorrar já havia elevado o nível do mar púrpura.

e agora a mistura da água, corpos celestes e sangue já batia ao seu pescoço.

...

Quando sua cabeça finalmente foi coberta, tudo se apagou.

Por um instante, deixou de existir, assim como tudo que aconteceu antes.

E na mesma velocidade que tudo se foi, tudo se refez, mas de outra forma.

Acalme-se pequeno Henry, pois ainda é apenas o início dessa sua jornada.

Você ainda nem adentrou o limbo, mas já sente seus efeitos.

(Apenas lembrando que a jornada de Henry acabou de começar).

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