Capítulo 2

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 Seria possível que aquela garotinha tivesse algum transtorno psicológico? Ou eu e ela tínhamos ficado depois da volta de Jesus? Só fui à igreja umas três vezes, e escutei algo do tipo. Eu poderia ser uma das pessoas que não cumpriam os requisitos para subir, mas Beatriz? Ela era só uma garotinha inocente. Essa hipótese estava descartada, só restando...

- Quantos anos você tem? – pergunto enquanto atravessamos uma rua e depois continuamos em linha reta.

- Seis.

 Velha demais para sair por ai inventando histórias. Mas a verdade era que aquela rua, assim como as outras estavam estranhas. Beatriz podia estar inventando alguma, mas e então? Onde estava sua mãe? Nenhuma pessoa achou estranho uma garota de seis anos andando sozinha e chorando?

- Qual foi a última coisa que sua mãe disse? – indago dando um leve aperto em sua mão.

- Ela perguntou como tinha sido a escola.

- Você foi para a escola hoje?

- Sim.

- Onde está sua mochila?

- Com mamãe.

 Um ruído faz com que eu interrompa meus pensamentos. Conhecia aquele som, mas achava estranho estar escutando um metrô em movimento por ali. Não havia estação no bairro.

- Está escutando isso? – pergunto a Beatriz.

- Sim. – ela move a cabeça reforçando sua resposta. – O que é?

 Por conta do silêncio o barulho era bastante audível.

- Parece ser um metrô. – estreito o olhar, tentando ver algo à distância.

 Nenhum movimento. Mas o som tinha parado.

- Nunca vi um metrô de verdade. – diz a garota, olhando para os lados em busca do objeto que atiçara sua curiosidade. – Só pela TV.

- Não deveria ter metrôs por aqui. – digo a menina. – Deve estar vindo de alguma casa o som. Talvez um filme em volume alto.

 Beatriz parecia não ter me escutado. Seus olhos continuavam atentos a qualquer pista do reprodutor daquele som, que tinha voltado a ser ouvido.

- Parece estar vindo de lá. – a menina aponta o dedo indicador para frente.

 Concentro-me no ruído e percebo que Beatriz tinha razão. Um pouco distante, mas não havia dúvidas que o barulho vinha de alguns quarteirões adiante de onde estávamos.

- Será que minha mãe foi andar de metrô? – o rosto delicado e bonito da criança estava levantado, e seu olhar me encarava.

 A chuva ainda não tinha começado. O céu escuro já podia ser assemelhado às primeiras horas de uma noite sem luar, e ainda nem deveria ser uma da tarde. Pensei em voltar a pegar o celular para olhar as horas e ver se havia sinal, mas tive preguiça, e além do mais, que importância tinha as horas nesse momento?

- Sua mãe disse algo sobre metrôs hoje? – pergunto tentando encontrar alguma pista.

- Não.

 Isso não podia ser uma estação. Mas assim como Beatriz, eu estava curiosa sobre a origem daquele som.

- Vamos dar uma olhada. – digo enfim. – Não parece se muito longe. Está cansada?

 A menina nega com a cabeça.

 Voltamos a andar ainda de mãos dadas. As casas a nossa volta estavam envoltas em sombras. Lojas que deveriam estar abertas a essa hora, estavam fechadas, e condomínios se mantinham quietos. Foi assim pelos três quarteirões que percorremos.

- Alguma coisa aconteceu antes de sua mãe sumir? – indago olhando para meu lado.

- Não.

 Após tantas respostas negativas, tive que aceitar que Beatriz de nada sabia. Continuamos a andar um quarteirão após o outro. E então vi. Sobre uma longa avenida, sustentada por grossas vigas de pedra, passava um metrô. O som inconfundível do aço raspando nos trilhos, o mesmo barulho que tinha nos trazido até ali.

- É um metrô de verdade! – Beatriz deu saltinhos de empolgação. – É de verdade. Um metrô de verdade!

 Fazia muito tempo que não via tal meio de transporte. Exatamente três anos, quando me mudei para esse bairro esquecido por Deus. Havia uma questão que me perturbava agora.

 Como por Cristo, apareceram esses trilhos por aqui?

- Podemos andar nele? – perguntou Beatriz, animada. – Nunca entrei em um metrô.

- Claro. – faço outra promessa que não sabia se cumpriria. – Só precisamos encontrar...

 Havia uma pessoa se encaminhando para uma escada rolante há aproximadamente vinte metros de onde estávamos. Se não tivesse percebido a pessoa, não teria visto a escada. Mas a verdade era que até o aparecimento repentino da criatura era um mistério.

- Aquela mulher não é a sua mãe? – indico a pessoa para Beatriz.

 A garota estreita o olhar para onde eu apontava, seu sorriso foi diminuindo na medida em que a confirmação vinha.

- Não é mamãe.

 A mulher desapareceu subindo a escada rolante. Beatriz queria passear, mas eu receava em sair do bairro. Sua mãe não teria a audácia de ir embora sem a filha. Sim, eu ainda tinha esperança que estava lidando com seres humanos, nutridos de sentimentos harmoniosos.

- Você não quer encontrar sua mãe antes de passear no metrô? – pergunto.

 Beatriz tinha os olhos fixos para cima, onde outros vagões ligados um ao outro raspavam os trilhos. Parecia não ter escutado minha pergunta.

 Olhando para os lados, em cada direção que minha visão permitia alcançar, não captei nenhum movimento. Suspirei. Onde a mãe daquela garotinha tinha se metido? Desejei ter alguém que pudesse me ajudar a tomar uma decisão nessa confusão de situações que eu tinha me colocado.

- O que aconteceu, menina bonita? – uma voz estranha indagou a Beatriz.

 Mas não era possível. Tinha acabado de fazer um giro pelo lugar, verificando toda a área, de onde essa pessoa tinha surgido?

- Quem é você? – pergunto encarando o recém-chegado.

 A pessoa não precisou responder. Eu mesma fiz isso por ele.

- Otávio?

- Há quanto tempo não nos víamos, hein Lívia?

Meus DesejosWhere stories live. Discover now