T R Ê S

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Meu avô era encantando pelo o mar, assim um pescador encantado pelo canto das sereias. Seus olhos azuis brilhavam ao encontrar-se com o azul oceânico. Era um biólogo marinho que havia se mudado para a ilha para estudá-la e desvendar os mistérios que aqueles mares escondiam. Ele me ensinou a nadar, me mostrou cardumes e me ensinou a velejar. Era apaixonado pelo som das águas, sabia de cor todas as constelações, sentados na areia apontava para o céu e me mostrava a constelação de Orion, que era sempre bem visível no verão. Quando era criança entrou comigo na lagoa e segurou meu corpo, depois disse que eu deveria bater as pernas e alternar os braços, eu me sentia seguro nos braços como se eu nunca fosse cair, como se eu continuasse para sempre em seus braços.

Conheceu uma filha de pescadores nativos da ilha, se apaixonou e escreveu poemas dedicados ao seu amor. Casaram-se e tiveram um filho, meu pai, que viveu grande parte da infância ali, correndo descalço pela beira da praia e procurando conchas, porem cresceu, e foi para a cidade, um lugar claustrofóbico no qual trabalhou como jornalista. Meu avô em sua época jovial estudou e mergulhou por todos os recifes de corais, descobriu seres lindos; algas como medusas, peixes coloridos entre outros animais marinhos que eram um deleite encantador para os olhos.

Estávamos mais um fim de tarde, acomodei minhas costas na cadeira e olhei sério para ele, ele sabia o que eu estava preste a dizer. Suas mãos magras apoiadas na testa, o ar entrando pela sua boca em uma respiração dificultosa, desviava o olhar como se estivesse constrangido, porém continuava firme, com as sobrancelhas afundadas e a respiração dificultosa.

— Porque você faz isso comigo? — falei quase chorando com muita raiva, não raiva dele, mas raiva de suas atitudes e do jeito felizardo que lidava com tudo. Eu tinha raiva do câncer.

Ele continua sem olhar para mim.

Eu me lembro que o câncer naquela época era mortal, as pessoas diagnosticadas só esperavam o curto prazo de vida terminar, como um rastro de pólvora queimando aos poucos. Não era o caso dele, lutava bravamente a quase três anos. A doença se instalava como um posseiro lentamente em um órgão, depois partia como um peregrino indo para outro órgão e lentamente o seu corpo padecia. As raízes pulmonares já haviam escurecidas; era só questão de tempo, disse o médico para nós.

Eu me aproximei dele com os olhos embargados, ele lentamente olhou para mim e sua firmeza desabou.

— Eu vou morrer — falou calmamente lidando com aquilo normalmente, depois me olhava como se seus olhos pedissem desculpas, mas seu coração queria isso; — eu só queria ir logo para não ter que suportar isso.

Suportar? Ele deveria suportar os remédios caros, o vicio e as dores. Será que para evitar isso iria me abandonar?

— Porque? Porque não tomou os remédios?

Ele me deu um sorriso curto, não havia graça, mas continuava com aquele sorriso entre os lábios de quem contava as melhores piadas.

— Toda a minha vida trabalhei, ganhei dinheiro, fiz coisas incríveis. Porem no final isso tudo é simplesmente fútil. O dinheiro se esvai com essas drogas para apenas reduzirem a velocidade em que eu vou morrer. E apenas os momentos bons restam. Eu não quero passar os ultimo dias da minha vida me entupindo de remédios e sofrendo.

Eu não entendia, parecia egoísta. Mas eu não queria. Eu iria me refazer essa pergunta muitas vezes mais tarde, naquele momento não pensava em tudo que ele passava, pensava apenas em mim e na minha dependência do amor concebido pelas pessoas que eu amo.

— Não... você não é assim. Você não pode morrer, eu preciso do senhor.

Ele continua com o sorriso intacto, os seus olhos profundos faziam-me entender, pensei que talvez realmente era egoísmo da minha parte quere-lo para sempre, porem a dor que eu sentiria seria tamanha qual eu nunca conseguiria medir. Enquanto curtas lagrimas escoriam pelo meu rosto sem nenhuma força abracei-o. Depois sequei o rosto e olhei para a janela, era como uma cadeira, encostei minha cabeça no vidro que era o único jeito de meu vô ver o mundo.

Era uma lembrança de noveanos atrás. Era mais um dia quente, a luz adentrava na sala vindo das janelaslargas, o tom amarelado e vibrante do sol iluminava o corpo dele. A boinaitaliana e um cigarro contra os lábios, colocava seus papeis arrumados para nãoserem levado pelo vento repentino que entrava pelas janelas abertas. Aspalmeiras balançavam como se fossem sucumbir. Minha mãe morria de medo poisouvia história de crianças que caiam das altas pedras que ilhavam dasprofundezas do mar e eram o caminho para o farol que servia de escritório.Havia lá fotografias, desenhos e fosseis. Caminha sem os sapatos, me colocou emsuas costas e me levou até uma baia, lá mostrou-me os peixes correndo por baixoda água cristalina como um vidro, os peixes iam e vinham, um estojo de tintasde cores vibrantes que percorriam a tela do azul marinho. Uma explosão decores.

Dias LongosOnde histórias criam vida. Descubra agora